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26/09/2013

Um galho metálico seco

 Com as impressoras 3D agora é possível imprimir pessoas inteiras e fabricar residências em apenas algumas semanas. Energia elétrica sem fio é dominante e fios se tornaram obsoletos. Doenças como Alzheimer, HIV e a grande parte das deficiências físicas e mentais são agora totalmente ou parcialmente sanáveis. Telecomunicação é instantaneamente transmitida, sem qualquer delay entre um ponto do planeta e outro. As leis da mecânica quântica finalmente passaram a ser aplicáveis ás leis da física contemporânea. Curiosity confirmou que já houve formas de vida em Marte e astrônomos descobriram que nosso universo está dentro de um hiperespaço, dentre muitos outros hiperespaços, estes por sua vez com milhares de universos dentro deles.

 O que tudo isso significa?

 Não me peça pra explicar com termos técnicos. Acontece que impressões 3D moldaram do zero o mundo como conhecíamos, sendo largamente criticada pelos empresários de grandes empresas e num piscar de olhos se tornou rigidamente controlada pelo Estado. Não existem mais postes e cabos nas ruas e nas casas. Foi tudo substituído por enormes antenas separadas por uma distância específica que induzem energia eletromagnética, que por sua vez alimentam e iluminam nossas lâmpadas e nossos eletrodomésticos. O teletransporte de dados e de pessoas (pasme!) é possível, embora seja um processo altamente caro e burocrático controlado pelo governo, assim como a viagem no tempo. Se você tem câncer de medula óssea, um tumor maligno na lombar ou se perdeu um membro do corpo, suas chances de sobrevivência são grandes.

 Para que isso tenha sido possível, no entanto, muita merda aconteceu, mas prefiro omitir essa parte...

 O que ainda não é possível

 Não se engane que tudo agora é possível, pensando que ultrapassamos a velocidade da luz, que enviamos pessoas de volta ao passado ou que colonizamos planetas longínquos no espaço intergaláctico. As leis da física continuam imutáveis, o universo continua se expandindo, o planeta Terra continua orbitando o Sol e nós continuamos eternamente limitados pelas forças do cosmos. No entanto, continuamos a usar os poderes do universo e nosso entendimento sobre ele como forma de continuarmos avançando na nossa jornada cósmica, sempre em prol do desenvolvimento humano e da preservação de nosso planeta.

 O porém

 Todavia, os valores morais da sociedade e da natureza intrínseca ao ser humano acabam impedindo a aplicação prática de muitos desses avanços. É a ganância, ambição e o poder sempre entrando em jogo sob a justificativa de um bem maior... bem maior este que acaba causando inúmeras outras malezas, como o aumento crucial da taxa de mortalidade mundial e da poluição em nossa pequena residência planetária, comprometendo todo um sistema ecológico e, consequentemente, pondo em nós mesmos a níveis críticos de um iminente colapso. Poderia me estender por horas citando exemplos da atitude cancerígena do ser humano para o planeta e para si mesmo...

 A tecnologia evoluiu e continua evoluindo, mas essa evolução não acompanhou a sociedade. O humano ficou pra trás perante sua própria criação. Não quero dar exemplos, temendo que isso comprometa alguma coisa. Esses são apenas alguns dos avanços tecnológicos e científicos do meu tempo. Nem mencionei a situação social, política e econômica do país e de todo o capítulo mundial ocorrendo nesse pálido ponto azul vagando pela imensidão cósmica ao redor de uma estrela. Não sei se vale a pena. Quando o tempo chegar, você sentirá o impacto. Só espero que você e sua geração estejam preparados para o galho metálico seco, e que não deixem o futuro (atual presente) acontecer do exato mesmo jeito, embora isso fosse violar uma das leis fundamentais da física... mas lhe desejo boa sorte.

 PS: Quando o novo oegã emergir, finja-se de morto.

08/09/2013

O Deus-Cobaia


 Os ratos de laboratório são pessoas de fé. Eles acreditam no Deus-Cobaia, e que são protegidos por ele. Portanto, eles não são apenas meros instrumentos empregados em pesquisas e intervenções científicas.

 O Deus-Cobaia é o protetor e pai dos porquinhos-da-índia, hamsters e camundongos, e de todos estes ratos de laboratório. Ele é o deus da proteção. Providencia tudo o que é necessário aos ratos de laboratório: gaiolas, piscinas, alimento, conforto, higiene e saúde. Eles não sofrem de doenças, cânceres, fome, falta de moradia e nem preconceito.

 O Deus-Cobaia também é o deus dos milagres. É a mão amiga que realiza operações aleatórias nas cobaias. O Deus-Cobaia é justo, embora aja por caminhos aleatórios. Um rato, em sua gaiola, é repentinamente capturado pela mão branca do Deus-Cobaia, e levado para o santuário de aperfeiçoamento. Lá é onde o Deus-Cobaia realiza alguma operação de reparo, melhoria, vantagem ou recuperação nas capacidades físicas ou cognitivas do rato de laboratório.

 Vamos supor que o rato A, o rato B e o rato C sejam meros ratos, reproduzidos, nascidos e criados em laboratório. Eles não têm discussões filosóficas e morais sobre a ética de serem ratos de laboratório, de serem "cobaias". Eles não sabem disso. O que eles sabem, já que foi doutrinado isso a eles desde recém-nascidos, é que todos eles serão cedo ou tarde manejados pela mão branca do Deus-Cobaia, da qual sofrerão um "upgrade". O rato A, nessa nossa situação hipotética, sofreu a intervenção divina da mão branca milagrosa do Deus-Cobaia, e agora esse rato é imune ao Alzheimer, leucemia e algumas outras doenças degenerativas. O rato B, por sua vez, com a mão branca milagrosa agora é deveras inteligente e se fixou com a ideia de todas as noites tentar conquistar o mundo, juntamente com seu amigo rato imbecil. O rato C, ao passar pelo procedimento milagroso, começou a sentir fortes dores por todo o corpo. Deus-Cobaia é assim. Age por caminhos aleatórios, e ás vezes até mesmo um tanto quanto falhos. Ele não é perfeito, no entanto, como ele é justo, realizou o procedimento milagroso e o rato C pereceu sem sentir dor.

 Essa é a vida dos ratos de laboratório, protegidos e presenteados pelo Deus-Cobaia. O rato da gaiola 54 não sofre mais com problemas de hipertensão, e o rato da gaiola 33 parou de ser depressivo e agora vive a vida com vigor. Os ratos da gaiola 29 foram levados para passearem em labirintos e hoje não sofrem mais de ansiedade. Graças a quem? Ao Deus-Cobaia. Só ele para proporcionar a alegria e a felicidade para os ratos de laboratório. E os ratos de esgoto que se danem. Pobres criaturas sujas e misericordiosas... Deus-Cobaia ama todos, mas não liga pros ratos de rua. Só para os de laboratório. Estes, por sua vez, se sentem superiores, e esnobam os demais, pois somente a eles foi concedida a proteção do Deus-Cobaia.

 E assim os ratos de laboratório vivem suas vidas, em prol do Deus-Cobaia, que providencia tudo. Até mesmo na hora da morte. Quando chega no final da vida de um rato, ele sempre o bota para dormir de forma indolor, com sua mãe branca mágica e uma agulha que espeta o rato. Deus-Cobaia é justo, é milagroso e protetor.

19/08/2013

Relato de um amigo que morreu por 6 minutos


 Meu amigo tem um histórico familiar de problemas cardíacos, e francamente era apenas questão de tempo até ele começar a ter alguns problemas também. O doutor disse que provavelmente era devido ao seu alto colesterol, ou estresse, ou uma combinação de ambos.

 Ele está bem agora, pelo o menos fisicamente. A experiência foi muito difícil para ele, e eu posso apenas imaginar os efeitos que isso o trouxe.

 Ele morreu. Por seis minutos ele não respirou. Sem pulso, sem movimento, sem nada. O doutor disso que não é tão raro assim, mas não torna o fato menos inacreditável. Eu pensei que essa experiência seria revigorante para esse meu amigo. Pensei que ia botar nele um orgulho rebelde, sabendo que ele trapaceou a morte. Mas não foi bem assim. Meu amigo decaiu sob uma profunda depressão. O tipo de depressão que não só afeta o depressivo, mas suga toda a felicidade de todos ao redor dele. Só imagino o quanto deve estar afetando sua família, sua carreira.

 Mas quanto á história aterrorizante: aconteceu numa noite em que eu senti a responsabilidade como amigo de tirá-lo de casa para deixá-lo bêbado. Ele não estava afim, claro, mas consegui trazê-lo para o bar com um punhado de amigos. Era uma noite quieta no bar, perfeita para contar histórias. Nós rimos e brincamos, até meu amigo depressivo soltou alguns risos. Porém, inspirado pelos efeitos do álcool, eu fiz uma pergunta que cuja resposta agora eu sei que estava comendo meu amigo por dentro:

"O que você sentiu ao morrer?"

 Ele ficou sombrio e obscuro, e imediatamente eu me arrependi de ter perguntado. Me desculpei, mas ele disse que estava tudo bem e concordou em nos dizer. Ficamos todos quietos e nos aproximamos para escutar, ansiosos para ouvir um conto sobre luzes brilhantes e anjos cantando. Mas não foi bem assim.

 Aqui está o relato do meu amigo. Sem as palavras exatas, no entanto tentei ser fiel ás suas palavras:

  "Vocês devem pensar que a morte é um alívio. Uma escapatória agradável da dor e agonia, uma escapatória de uma vida desagradável, de uma guerra infestada, miséria arrasando esse planeta que chamamos de Terra, para um lindo lugar de interminável paz e felicidade. Mas não foi bem assim.

 Pelo o menos não foi comigo. A dor começou intensa, e continuamente ficou pior por toda a manhã. Eu não podia faltar no trabalho de novo, sendo que eu já estava improdutivo. Tomei um Advil, estiquei meus braços, e saí. Eu realmente não devia ter dirigido com a dor intensa, o tráfego só piorou meu humor. "Esqueça isso", eu dizia pra mim mesmo, "seja homem". E eu fui, por um momento. As coisas ficaram piores quando eu estava sentado na minha mesa, lutando para respirar, pedindo ajuda. Foi quando eu apaguei.

 Eu ouvi muitas vozes, vozes de pânico. Gritos, sirenes, vozes. Eu, de alguma forma, percebi que estava em uma ambulância, e tentei falar. Aí apaguei de novo. Tudo virou preto por um lado. Os sons ao meu redor se tornaram continuamente mais abafados, substituídos por um alto barulho de água nas minhas orelhas. Foi quando eu morri.

 A única maneira que eu posso colocar em palavra como se sente ao morrer é que tudo está sangrando de você. Não apenas sangue, mas... a essência de si mesmo. Todo o seu conhecimento, sua personalidade, suas memórias, seus desejos, você. Tudo vazando e caindo. Não havia luz no fim do túnel. Não havia vozes de anjos cantando. Morte é realmente sombria como soa. Eu não descreveria como "falecer" ou "passar dessa pra melhor". Não, "morte" é a palavra perfeita. Se você me perguntar, não existe vida após morte. Não me senti alguém ou algum Deus vindo até mim para me levar para um lugar mágico, ou até mesmo um diabo ou torturador. Não, a real resposta é mais assustadora que qualquer teoria possível. Não há nada.

 Após seu tempo na Terra, não há nada esperando por você. Você não será lembrado exceto por alguns humanos que foram tão insignificantes como você. Será como você nunca tenha existido. Não há significado para a vida. Não há grande mistérios ou vida após a morte. Quando você morre, você não existe mais. Um destino pior do que qualquer um, na minha opinião.

 Eu era um homem de fé. Eu esperava totalmente ouvir vozes de um Deus quando eu morresse. Eu esperava totalmente em ver minha mãe e meu pai de novo. Esperava em encontrar com meu cachorro e abraçá-lo mais uma vez. Eu esperava ser feliz. Pra sempre."

 Mas não foi bem assim...

16/07/2013

Sua vida é medíocre

 Você poderia estar visitando reservas naturais, tirando fotografias perto de um lince ou de um mico leão dourado, montando em um elefante e percorrendo trilhas de esterco em savanas. Poderia estar ingressando em programas sociais que cuide de cães abandonados na rua. Poderia estar ganhando dinheiro com o que você ama.

 Poderia estar conhecendo a cultura de alguma tribo remanescente de Alagoas, aprendendo a usar Hashi, aprendendo Mandarim, Esloveno ou Persa. Poderia estar chegando nelas sem medo, e dizendo o que pensa sem receio. Foda-se se você tomou um não. Foda-se. Poderia estar acordando cedo, correndo três quilômetros pelo parque, e depois voltar pra casa e ler no portal de notícias a morte dos seus piores inimigos, enquanto você termina de enterrá-los no seu quintal. Estar aprendendo a trocar um pneu, a emendar dois fios, soldar uma peça, a caçar um urso para sua janta, a pescar um tubarão para seu almoço, a consertar seu chuveiro ou acender uma fogueira. Aprendendo a se alimentar como um lobo, saborear um belo vinho, a preparar os drinks mais transados da festa, a cozinhar como um chef, a criar um jardim e cuidar de sua própria horta, a cultivar a reputação do cara mais foda e cacetudo do teu bairro.

 Poderia estar fazendo um curso para aprender a dançar, a lutar Jiu Jitsu, a fazer abdominais do jeito certo, a fazer pestana corretamente, a ler uma cifra, a fazer montagens no Photoshop, a pagar suas próprias contas, a aprender algo que você goste ou tenha interesse, para trabalhar com algo que você goste.

 A fazer bem e fazer bem feito. A fazer correta e agilmente. A se arriscar! A aprender pelos seus erros! A regojizar da vida! A se tornar um ser humano com dignidade e de respeito! Ser independente! Auto-suficiente!

 Mas não, você continua acordando tarde durante as férias, abrindo e fechando os mesmos sites, assistindo um filme ou lendo um livro enquanto coça o saco, se masturba duas vezes seguidas e entope o reto de refrigerante e bolacha. E depois se vê solitário, desmotivado e deprimido. Olha pra você. Sua vida é medíocre. Você merece seu status. Porque você é medíocre e sua vida é medíocre. Com seus valores invertidos e errados, que fala que vai começar a botar em prática seus planos a partir de tal data, mas nada faz. E se faz, desiste tudo depois de uma semana.

 Você está preso dentro de si mesmo. Usar sua "condição econômica" ainda é uma boa desculpa, todavia não te isenta de teu fardo. A culpa não é dos seus pais, do seu chefe ou do "destino". A culpa é sua e somente sua. Você poderia e deveria mudar sua situação assim que descobrisse a origem dos seus problemas. Agora o peso é seu.

 Poderia estar saindo mais de casa, viajando mais, experimentando bebidas, drogas, e posições sexuais inconcebíveis na sua percepção. Simplificando a vida, não inventando desculpas. Apenas fazer. A tornar a vida mais excitante, sem roteirizar, sem programar, a viver novas experiências. Crescendo espiritualmente, mentalmente, individualmente, fisicamente e adquirindo cultura, conhecimento, sabedoria, realizando-se como ser humano. Aumentando seu vocabulário, sua dicção, sua confiança e sua felicidade.

 Você poderia estar sendo mais isso e menos aquilo. Não quero te deprimir, não abaixe a cabeça. Levante-a, e decida-se se vá lutar pelo o que você quer ou permanecer na inércia e na procrastinação. Comece aquilo que você desejaria ter começado há um ano atrás. O que te define é o que você faz diariamente. É tudo questão de tentar e não perder tempo e lutar para ser mais vivo, mais humano, e menos medíocre.

 E se você não puder fazer nada para mudar... paciência.

26/06/2013

A criação do leite condensado


 Certa feita, Odin estava mortalmente entediado em seu trono onde podia observar tudo o que acontecia nos nove mundos, a partir do palácio de Valaskjálf em Asgard, o reino dos deuses.

 Suas aventuras como andarilho por Midgard, o reino dos mortais, não mais lhe eram interessantes. Sleipnir, seu cavalo de oito patas - o mais rápido do universo -, não estava o divertindo, assim como sua lança Gungnir, que permanecia em estado imóvel ao seu lado no palácio. Até mesmo Frigga, sua esposa e deusa da juventude, não satisfazia seus anseios de algo a mais. Odin buscava algo novo, uma emoção inédita, algo que nunca experimentara antes. Pensou em experimentar LSD, mas parecia algo arriscado. Ectasy também estava fora de cogitação. Estava há tanto tempo em inércia, apenas ociosamente observando os nove mundos (e toda a sacanagem que rolava, especialmente no mundo dos elfos), que não sabia mais o que fazer para se divertir. Ele, temeroso que isso poderia o meter em maus lençóis (como manchar sua reputação entre os deuses), buscou imediatamente os auxílios da deusa da sabedoria Erda, outrora sua amante, da qual geraram juntos as Valquírias.

 Ao encontrar com sua antiga parceira de casos sexuais sob a sombra da árvore Yggdrasil, este prontamente a questionou:
 - Erda, deusa da sabedoria, me sinto tão entediado! Como faço para acabar com essa inquietação que me atormentas?
 - Ora, veja quem me procura após tanto tempo... - disse Erda, ríspida - parece que o próprio deus da sabedoria parece não conhecer meios de resolver suas próprias incertezas.
 - Pare de sarcasmos e me ajude de uma vez, ingrata deusa insaciável!
 - Faça uma orgia. - declarou Erda, sem quase nenhum momento de pausa entre a sentença de Odin e a dela.
 - O que significa isso? Estás de gozação comigo, Erda?
 - De forma alguma, muito pelo contrário. Ora, pense comigo. - Odin se mostrou prestativo - Seu coração precisa de uma adrenalina nova, uma emoção que você nunca teve antes, algo que encherá sua alma de encanto e brilho novamente. Nem as maçãs douradas da juventude, seu precioso hidromel ou uma desfibrilação serão páreos para esta experiência que vós indico.
 O deus dos deuses ergueu suas sobrancelhas em tom de interesse a uma ideia genuína.
 - Continue! - ordenou Odin.
 - Por isso um massivo jogo do amor aqui, em seu palácio, com deusas e ninfas, todas somente suas, seria o ápice.

 Odin, com um olhar fixo, processou a ideia em sua mente e, sem pestanejar, concordou em consumar o coito coletivo. No dia seguinte, chamou seu filho Thor e o ordenou que capturasse as mais belas ninfas de Midgard, e levá-las ao seu palácio. Thor, sem ter nenhuma explicação concreta para tal missão, partiu mesmo assim nessa aventura, onde acabou, por conta disso, se envolvendo na terrível caça do cachos de cabelos ruivos, porém essa é outra história.

 Alguns dias depois, Thor regressara e, passando pela ponte Bifrost, levava consigo incontáveis ninfas, das mais belas e adoráveis que um dia já andaram pelo mundo dos mortais. Odin já se deleitava com seu hidromel e, assim que as ninfas chegaram, levou todas elas para um cômodo especial, iluminado por velas, bebidas elitizadas (entre elas o hidromel), e grandes almofadas vermelhas espalhadas por todo o chão, além de diversas bandejas com pílulas do dia seguinte. Sjöfn e Freya, deusas do amor e do sexo, também estariam presentes na orgia, principalmente para dar um toque mais celestial ao bacanal.

 E em grande volúpia e desejos carnais eles começaram, com tamanha intensidade que Odin nunca se sentira tão vivo antes. Sua esposa Frigga também estava reunida entre todo o ardente jogo sexual que acontecia simultaneamente em cada centímetro daquela sala, com três, quatro e até mesmo cinco mulheres, totalmente despidas, ardentemente desejando umas as outras, enquanto Odin se deleitava também com três ou quatro de uma só vez, intercalando com todas as presentes. Todos estavam, é claro, agindo pelos efeitos do pó mágico do amor que Sjöfn botou na bebida deles.

 A veemência amorosa era tão poderosa e vigorosa que, no clímax da orgia, todos conjuntamente ejacularam com uma força nunca antes sentida pelos deuses ou mortais. Todas as pernas tremiam, as cabeças olhavam pra cima e os olhos reviravam. As bocas abriam e gemiam um som de alívio e intensidade, enquanto alguns, perdendo o equilíbrio, pendiam pros lados, com um enorme sorriso em suas feições. A força do orgasmo simultâneo fora tão poderosa que todo o líquido ejaculatório, de cada um dos presentes naquele cômodo, se juntou em um só, e formou uma pasta densa e massiva, surgindo assim, o tão conhecido leite condensado, cultuado até hoje pelos deuses. O leite mais divino dos nove mundos a partir daquele dia tão orgásmico. Não era somente mais divino do que o hidromel, bebida inigualavelmente e insubstituível para Odin.

 Os demais deuses se regozijavam com o novo alimento divino, enquanto Odin não podia ingeri-lo, já que o leite condensado fazia-o ter uma forte ânsia e vomitar, o que fora uma grande decepção para o pai dos deuses, já que ele era o único a passar mal enquanto todos se deliciavam com ele. Odin nunca mais fora entendiado, no entanto, promovendo outras inúmeras orgias com suas ninfas e deusas do sexo, e produzindo mais lente condensado.

13/06/2013

Os verdadeiros vândalos


 Eles prosseguiam com voracidade pelas ruas da cidade. Coros e gritos de insatisfação. As árvores em chamas, vidros quebrados e automóveis ateados em meio a multidão. Pessoas se dispersavam e corriam com ferocidade. Eles só queriam que tudo ocorresse pacificamente, no entanto, tudo tinha que ser estragado por eles. Os vândalos. As calçadas sofriam os impactos dos passos apressados dos protestantes, os postes iluminavam os confrontos daquela negra noite. A metrópole e seu céu poluído eram meros detalhes diante dos tumultos.

 A placa de pedestre diz "Atravesse na faixa" em vão. Passos desordenados e olhos assustados correm em todas as direções, espantados pela hostilidade dos desordeiros.

 O fogo consome e alimenta mais o fervor do ódio deles, que avançam hostilmente em direção aos inocentes. Quem quer protestar? Eles que não. Quem quer manter a ordem? Eles só querem criar desordem. Quem quer manter a democracia? É apenas algo abstrato. Os oprimidos continuam oprimidos, e os opressores continuam, de seus capacetes blindados, ferindo desconhecidos que o bancam, enquanto choram por um aumento de salário.

 Desconhecidos que são feridos, apenas exercendo seu direito civil, ou até mesmo não estando nem relacionado com o "confronto". São meros transeuntes. Trabalhadores retornando para casa, ou para protestar pacificamente, ou cobrir a passeata. Esses não ficaram de fora. A zona de batalha também atingiu-os.

 E enquanto tudo isso ocorria, aqueles - sentados sobre seus escritórios chiques e cadeiras de couro - não se importavam. Fingiam que nada viam. E os que estavam por trás das câmeras apenas distorciam tudo, focando apenas neles: os arruaceiros.

 E a fumaça das bombas de gás lacrimogênio - lançadas pela barreira dos escudos reforçados e dos coletes de última geração em direção aos público - assobiavam pelo vento da cidade, não deixando dúvidas de quem eram, afinal, os verdadeiros vândalos.

20/04/2013

Soldado das trevas


 Mais escuro que a própria noite, o soldado ruma ao seus deveres. Como um sopro na pálida madrugada, ele se deslocava, tão silencioso quanto apenas ele próprio. Não menos humano depois de tudo o que presenciaria e faria, porém tampouco mais robótico e desumano do que já era antes.

 Marchava e lutava em batalha, rumo ao cumprimento de seus objetivos. Sua vitória era iminente. "Por que simplesmente não morro e e me liberto dessa atrocidade?", pensa ele, na destrutiva penumbra. Seu desejo era ser morto. Não por honra, mas por desgosto, por estar participando disso, e não ter outra escolha, a não ser assassinar. Não havia, entretanto, tempo para pensamentos filosóficos em meio a matanças e carnificinas em nome de anseios políticos.

 Uma sombra na escuridão, tão negra que até a morte temia-o. Fazia-se mais obscuro conforme cumpria com perfeição os planos. Seu coração foi vendido para o reino subterrâneo, onde pertencia ao supremo do andar de baixo. Seu corpo não mais bombeava sangue, apenas processava ordens. Mais duas, três cabeças. Sua completa negritude apenas absorvia a luz, tornando-o mais escuro do que um apocalíptico eclipse. Mais desalmado se tornava a medida que prosseguia com êxito sua jornada na batalha contra irmãos da própria espécime, separados apenas por nacionalidade.

 Nem os frequentes lampejos ocasionais iluminavam-o, que permanecia dominado pela pretidão. Tampouco as flamas das batalhas acendiam qualquer traço de luz em seu rosto. As cinzas e fumaça da aniquilação, da qual ele era protagonista, apenas realçavam mais seu medonho aspecto. Mais quatro inimigos abatidos. Mais negritude em sua aura que enegrecia seu corpo desalmado.

 Sua vitória era cada vez mais iminente. "Estou aqui, inimigos! Matem-me e me libertem!", gritava ele, em meio a atrocidade da qual ele não poderia ser jamais liberto, até que as incessantes explosões, disparos, gritos e terror cessassem.

 Não era, agora, um ser vivo, um corpo de carne e ossos, uma alma racional e emotiva. Apenas era. Você sabe que ele está ali porque você não o vê, enxergando apenas um espectro. Assim como um buraco negro. Nem a mais forte das luzes poderia iluminar aquela vasta escuridão, que não era nada além de um vulto sobrenatural.

 Sem rosto, sem feições. Apenas preto. Nem o mais profundo escuro do submundo era capaz de deter aquele desprovimento de iluminação. Não haveria inimigo que pudesse abatê-lo, nem adversário presente nas redondezas que sobreviveria para comparecer ao seu réquiem.

 Todos os seus objetivos foram cumpridos. A vitória era deles. "Por que saí dessa atrocidade vivo?" pensa ele, na melancólica destruição humana. Seu desejo era morrer. Não por honra, mas por desgosto, por ter participado desse ato tão vil. Mas agora era tarde. Sua transformação já estava completa, não lhe restando mais nada. Exceto ser uma sombra vagante a tormentar as pessoas, metamorfoseado eternamente em um soldado das trevas, aparecendo em janelas e espelhos alheios. Apenas em busca de um reflexo da qual possa iluminá-lo novamente.

11/04/2013

Segredo sagrado


 Ciganas, mulheres que não choraram, feiticeiras, judias, hereges. Todos aqueles que agiam em desacordo com os dogmas da igreja. Homossexuais, blasfemadores, protestantes, bígamos. Todos sendo queimados. Há anos sendo inquisidor, realizando o ofício de meu Deus, o único e absoluto. Enviando a alma daqueles infiéis para o soberano do submundo desde 1557, não tenho mais certeza se estou plenamente de acordo.

 Há tanto tempo lutando contra a heresia, muitas bruxas eu já condenara. Todos eles eram realmente bruxos e hereges? Suas condenações foram justas?

 Não sei se é sinal divino ou criação maligna de Lúcifer. Apenas parece que estou perdendo minha sanidade. Fiz coisas que não deveria saber. Não quero mais levantar ao acordar pela manhã. Sei de coisas que deveria desconhecer. Atos que, sem dubiedade, já cedem minha alma á agonia das chamas infernais. O amor que eu tinha no começo, em acusar e julgar bruxas e satanistas, nos últimos tempos, só me trouxe desgosto e um estranho sentimento infeliz. Depressão, talvez?

 O que está aconteceu comigo? Por que tanto desprazer? O que fiz? Tantas histórias presenciei, tantos sigilos tenho. O que me trouxe onde estou agora é o que chamo de "segredo sagrado".

 Poucos meses atrás. "Jeanne Rodriguez, estás sendo acusada de bruxaria perante a corte religiosa. Como você se julga?" assim proclamava eu, perante o altar. A acusada, em prantos, respondia "eu sou inocente! Eu nunca fiz mal a ninguém!". Foi dada a ela uma chance de sobrevivência caso ela delatasse alguma outra bruxa, para esta também ser condenada. Propôs então Jeanne:
 - Apenas posso acusar a tal bruxa se ficarmos a sós, inquisidor.
 - Mas que papo tolo é este, bruxa? - assim disse eu, impaciente.
A acusada não se fez de rogada e prontamente explicou com palavras fajutas, mas que me convenceram. Embora tenham objetado, proclamando "Êxodo 22,18: Não deixarás viver a feiticeira", lá estava eu, com a suposta bruxa, em privado, quando ela abre o jogo. Sem cerimônia, ela começou a se jogar pra cima de mim, com tal promiscuidade que, eu, absinto de prazeres sexuais, não deixei de resistir. "Exorcize a bruxa, Juan Guerrera, queima-me na fogueira", assim dizia Jeanne, despindo-se. Após consumado o ato do coito, fui ameaçado:
 - Sou inocente de bruxaria, e você também é inocente em ter copulado comigo. Vamos manter assim, pode ser?
 - Blasfemadora, feiticeira! - protestei, embora nem eu acreditasse nas minhas palavras.
 - Conto com a sua palavra. - assim escapou Jeanne, da acusação de bruxaria, onde fui obrigado á acusá-la de inocente.

 Esse ainda não é, no entanto, o "segredo sagrado". Foi somente como ele começara.

 No prosseguimento do julgamento, ela foi liberta. Questionado pelos arcebispos e demais inquisidores, retruco:
 - Não se preocupem com nada. Eu mesmo encarrego-me de buscar o vitimizado. E ela não era bruxa de qualquer jeito. - respondi, de forma vaga e um tanto distante. Imediatamente parti em busca de Jeanne. Alguma coisa me fez ir rumo a ela. Apenas posso estar possuído pelo demônio, mas sei que não é isso. Algo me domina. Preciso vê-la. Procuro-a pela cálida tarde ao redor do vilarejo, perguntando aos moradores da região. Já cansado, franzindo a testa enquanto transpiro debaixo da forte onda de raios solares, consigo enfim as coordenadas da morada de Jeanne.

 Encontro-me diante de sua porta, e em instantes, lá está ela. Minha aura acende pelo lampejo de sua presença. Rudemente, ela pergunta "O que o senhor deseja?". Respondo-lhe, mesmo impondo-me à todas as minhas convicções e ao Senhor, declaro meu desejo por ela. Talvez aquele acontecimento sexual mexera com minhas emoções. Queria-a. E assim fazia questão de objetivar, pois por dias e dias fui-lhe até a porta para que me concebesse uma chance. Até que um dia ela não fechou a porta brutalmente em fúria, muito pelo inverso. Começou a sorrir. E agarrei-a, saboreando seus lindos lábios, em volúpia.

 Nosso amor, por muito tempo, fora recíproco. Todavia, um dia ela adoeceu.

 Sem pestanejar, fui a mando dela ao bosque, seguindo suas instruções, em busca da cura. Até que deparei-me estar envolvido no tão terrível segredo. Oh, meu Deus! Eu estava tão abalado em estar traindo a mim mesmo, a Deus. Por que eu apenas não rezara? No entanto, estava me sentindo tão vivo! Estava extasiado. Eram emoções opostas. Queria apenas salvar minha amada. E finalmente cedi à blasfêmia. Sou completamente um herege, um hipócrita, traindo ao Pai. Estava oficialmente tornando-me um bruxo! Tudo em nome da insana paixão, onde faria qualquer coisa para trazer saúde e vigor de volta para minha angelical Jeanne. Colhi as plantas e ervas necessárias, reuni os ingredientes demandados e realizei a poção de cura, em meio ao jardim. Tudo conforme seus ensinamentos.

 Porém, agora, amarrado a esta tábua de madeira no altar, nada mais me resta do que remorso. A heresia reinou perante meu coração cego, e não adianta negar nada mais, apenas me render ao tormento eterno. Agora tudo é inútil.

 Ciganas, homossexuais, blasfemadores. Há anos, todos os dias, alguns tiveram sua vez. Hoje a vez é minha. Sou o próximo a ir a julgamento. Fui flagrado e capturado no bosque, após terminado o preparo do remédio. Eles observavam o segredo tudo desde o começo, escondidos sob os arbustos. Estavam lá a mando de Jeanne. Deveria eu desconfiar de sua farsa desde o começo. Pelo o menos ela também está sendo julgada. Por outro inquisidor, de certo. Agradeço ao desconfiado Sanchez, amigo cardeal que a capturou também. Nunca deveria ter confiado naquela suja e traiçoeira bruxa Jeanne. Ei de reencontrá-la em breve, nas flamas agonizantes e incessantes do inferno.

04/04/2013

Ao meu eu do passado

 A mensagem abaixo foi escrita pelo meu eu do futuro para o eu do presente. As palavras são de um futuro ainda não definitivo. Ou seja, em um futuro que ainda não aconteceu, e nem necessariamente irá. Mas que pode acontecer.

 "Olá, eu do passado. Apesar de ti ter vivido do ócio e da procrastinação durante toda a sua juventude, gostaria de dizer que o filme da sua vida teve um final feliz. Apesar de ter alimentado o seu sedentarismo enquanto entupia-se de chocolate acessando compulsivamente o Facebook; apesar de ter mantido as mãos coçando a região testicular por extensos períodos de tempo quando devia estar botando-as na massa (mas sem ter beliscado o escroto antes), gostaria de dizer que sua vida teve uma reviravolta. Embora tenha vivido com pouco regojizo, muito imediatismo e conformismo, a cena "Fim" da sua trajetória terminou com uma música alegre e de alto astral, enquanto a câmera lentamente diminui o foco, enquadrando uma linda paisagem e terminando com um fade-out.

 Seus inúmeros interesses, de gosto pelo desconhecido, de sair da zona de conforto e evoluir como indivíduo, foram essenciais para sua jornada à prosperidade, embora você nunca pensaste muito no seu futuro profissional e econômico.

 Apesar do seu medo de abordar as garotas e e incapacidade de conquistar as mulheres, gostaria de dizer que você finalmente encontrou seu amor, sua alma gêmea. Gostaria de dizer também que você, apesar da sua falta de pró-atividade, alcançou posições no seu emprego que, além de te dar muito dinheiro, também lhe oferece muito prazer, pois você se diverte e ama o que faz. Gostaria de dizer que a sua vida amorosa vai muito bem, seu salário é bom e estável, sua vida pessoal é maravilhosa, graças ás suas constantes conquistas, sabedoriaseu crescimento pessoal e corpo e mente são.

 Mas, principalmente e muito importante, gostaria de dizer que tudo isso é verdade.

 Gostaria de dizer que tudo isso aconteceu, mas não aconteceu. O ócio e a procrastinação que consumiu sua juventude foi de grande valor. O filme da sua vida é abdicado de clichês convencionais. Pois o final não é feliz, e a cena "Fim" foi dolorosa e lenta para o telespectador. Grande merda foram os seus interesses, sua busca pela sabedoria e conhecimento, e todas essas homoafetividades. Na hora de procurar um emprego, você se fodeu. Sabe qual é o teu emprego? Câmera-man de filme pornô. Como isso pode te deixar feliz? Além de não te dar muito dinheiro, você só está filmando o prazer, e não participando dele. Assim como foi com a sua vida inteira.

 Seu medo de rejeição e a sua falta de iniciativa em se desafiar e errar para evoluir e aprender foram fatores essenciais para teu fracasso. Apesar de você ter tentado superá-los, de nada adiantou. O "amanhã eu falo com ela" nunca veio, porque ela foi embora, enquanto você ficou preso ao "hoje". Você se casou, no entanto. Mas sua mulher não te respeitava. E te largou quando soube que você chorava vendo fotos da sua antiga paixão, a Beatriz.

 Sua família é desestruturada. O relacionamento com seus pais ainda são uma merda. Você comprou seu sofá nas Residências Jamal, sucessora das Casas Bahia, que faliu após a crise econômica de 2018. A academia que você queria tanto fazer ficou apenas nos planos. Você agora está obeso, seu corpo e mente estão uma bela montanha de defecação jurássica. A guitarra que você tanto procrastinou para aprender não te levou a lugar nenhum. Seu crescimento pessoal? Você engordou mais de quarenta quilos.

 Agora estou fudido, por sua causa, enquanto seus filhos assistem Big Brother. Sim, você teve filhos e BBB ainda existe. É contigo decidir qual dos dois é pior.

 Você mal sabe cozinhar, trocar uma lâmpada ou educar seus filhos. Tudo porque seu psicológico foi massacrado durante todos esses anos. Escreveria mais, no entanto tenho que dormir. Amanhã cedo gravarei "Bárbara Sápi e o ET super-dotado". Roteiro por Valeska Popozuda. Sente o naipe. Enfim... a mensagem que quero passar é:

 Até quando você vai parar de deixar para amanhã o que se pode (e deve) fazer agora? Daqui há um ano você desejará ter começado hoje, portanto, comece agora. Mexa esse cu gordo da cadeira e, assim que terminar de ler isso, faça algo para mudar seu futuro, e mudar o meu presente. Esse lixo que você me fez tornar não pode continuar existindo.

 Carinhosamente, ao meu eu do passado"

 É... acho que é melhor eu começar a colocar em prática os meus planos.

17/03/2013

Hoje é um dia estranho


 O primeiro pensamento que nos acende ao despertar. "Que estranho". O seu quarto escuro, as janelas fechadas bloqueando o céu nublado. Desagradável.  Um sentimento desconhecido invade nossa mente, que se abraça em um mar de confusão. Porque hoje é um dia estranho. Até ontem tudo estava normal, a face do dia estava bela, angelical. No entanto, hoje ela está diabólica, deformada. Hoje, você foi abduzido por alienígenas, sua imaginação lhe diz. Sua família foi raptada, você está em um universo paralelo onde moras sozinho e sua vida é diferente, com distintos costumes e horários.

 Você acordou 3 da tarde, com um clima melancólico, nebuloso e com garoas. Você se sente tão estranho. Afinal, o dia também é estranho. Que horas são? Você se sente em Silent Hill. Só resta a densa névoa e enfermeiras assassinas. Cadê o almoço? Ninguém em casa. Desconheço o paradeiro de todos.

 O clima gelado dessa atmosfera melancólica alimenta seus pulmões desorientados, procurando respostas para o enigma desse dia, tão incomum. Até ontem o ar seco e o céu ensolarado clareavam seu sorriso naquele dia de praxe. Hoje, os ventos velozes são o único barulho destacáveis perante o silêncio da sua residência. A única sonoridade audível além da brisa lá fora são os murmúrios na sua mente confusa.

 Todos os eventos, os fenômenos, tão comuns, sucedem de forma diferente ou inversa, isso se ocorrem. Se é costumeiro despertar ao som da televisão na sala, com algum familiar assistindo sempre o mesmo programa; hoje, um dia estranho, ele não está lá. Até ontem isso ocorria diariamente. Oito horas da manhã é o rotineiro horário de interromper seus sonhos, quando a luz da nossa estrela ilumina seu quarto. Mas não hoje.

 Que dia é hoje, afinal? É Quarta ou Sábado? Que horas são mesmo? Onde estão todos? Essas datas incomuns sempre aparecem, cedo ou tarde. Todos os padrões se alteram nessa estraneidade  Não se sabe se são seis horas da manhã ou dez horas da noite, até você ver o dispositivo mais próximo que mostre o horário. Se você está vivo ou morto, preso a uma realidade paralela. Se você está sonhando, criando um mundo alucinógeno dentro da sua mente. Não se sabe se todos estão planejando um complô contra você, conspirando contra a sua existência. Mas isso não mudará nada, porque hoje é um dia estranho.

29/01/2013

Estamos sempre perto da morte

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Estamos sempre tão perto da morte. E ela está sempre perto de nós. Apenas esperando o momento preciso para carregar nossas almas para o submundo dominado pela obscuridão e não-existência. Apenas mais alguns centímetros. Um passo em falso na ponta de um penhasco que, em apenas mais alguns centímetros, ocasionaria uma queda brusca metros abaixo, e consequentemente, o óbito. Mas não ocorreu. Apenas mais alguns segundos. Um transeunte, antes parado na calçada, começa a caminhar e que, em apenas mais alguns segundos, seria atingido por um carro desgovernado. Mas não foi.

Estamos sempre tão perto da morte. O teto pode desabar repentinamente sobre você, seu corpo ou algo perto de você pode entrar em combustão instantânea, algo pode explodir e ser arremessado diretamente em seu rosto. Você pode ser picado por alguma aranha venenosa mortal, seu coração pode parar de palpitar mesmo você sendo fisicamente saudável e insuficiência cardíaca ser um acontecimento improvável na sua idade. Tudo e mais um pouco pode acontecer, mesmo sob as menores e mais inverossímeis probabilidades.

Estamos sempre tão perto da morte. Poderia ser qualquer dia, qualquer ocasião. Atravessar a avenida, atravessar uma ponte de madeira, tomar uma ducha, tomar uma bebida, dirigir uma moto, voar de avião…

Atravesso uma rua sem olhar para ambos os lados. Cuidado, um desconhecido berra. Agilidosamente, pelo susto, regrido dando um ou dois pulos, enquanto o veículo passa pelo meu lado, buzinando, ainda na mesma velocidade. Aparentemente o motorista não se importaria em parar. Me alivio, foi só um susto. Ainda estou vivo. Apenas mais uns segundos. Apenas mais alguns centímetros. Se a pessoa não tivesse me alertado, poderia ter sido atropelado, arremessado alguns poucos metros, mas ficaria bem. Ou bateria a cabeça no chão, mas também ficaria bem, apenas um pouco atordoado e com dores. Ou seria atingindo violentamente pelo automóvel, sendo levado para o hospital. Mas com sorte, liberado em 1 ou dois dias. Ou o carro fatalmente me atropelaria, me arremessaria alguns metros no chão, eu bateria a cabeça, seria levado para o hospital, e pereceria devido a traumatismo craniano, falência múltipla dos órgãos e perda excessiva de sangue. Mas me alivio, foi só um susto.

Foi o dia em que estive próximo da morte. Assim como todos os outros, apenas de diferentes maneiras.

A morte estará sempre perto da gente. E estaremos sempre perto da morte. E um dia, ela se aproximará demais. Atrás, na frente, dos lados, ou em cima. Pode ser você, ele, aquele, eu. Qualquer um pode ser a morte, apenas esperando a sua hora de agir. Aguardando o momento para estar perto demais e me levar.

18/01/2013

Um conto erótico nada excitante

Juraci já derretia em suor naquela calorosa tarde, sentada sobre a sua cadeira de balanço, coçando suas varizes e cutucando com os dedos sua unha encravada no dedão. Em frente a sua casa, parou um caminhão de carga, e dele desceu o motorista Regimar, vestindo uma excitante camiseta xadrez vermelha exalando a cachaça, reluzindo todo o seu libidinoso sobrepeso em direção aos olhos de Juraci, com seu semblante de surpresa, atraída por aquela formosura de caminhoneiro.

Ele dirigiu-se até a traseira do veículo e descarregou algo grande e empacotado. Juraci esperava sexymente na cadeira, que rugia alto e rasgado a cada movimento, devido a vasta massa gordurosa dela e seu par de mamas suspensas que sofreram o efeito gravitacional com o tempo. Regimar se aproxima da casa, com uma entrega pesada. Juraci fica estupefata com a forma que ele carrega a aparentemente pesada encomenda de forma tão habilidosa.

Mal ele chegou ao portão da residência e Juraci já abrira a porta, com seu olhar cansado de flerte e seu sorriso marcado que destacavam suas profundas rugas de sua pele ancestral. "Entrega para Juraci Meira", anunciou Regimar. Sua voz rouca resultado de anos de inalação de nicotina, pronunciando essa frase, foi o suficiente para ceder Juraci em tesão. Como era uma entrega de grande porte, Regimar tratou de carregar a caixa até a sala de estar, onde lá a desempacotou. Tratava-se de uma nova poltrona, encomendado pelo marido de Juraci.

Com a nova poltrona, ela estava decidida a testar a qualidade do produto ali mesmo, na hora. Empurrou o apetitoso Regimar no estofado e começou a lentamente despir-se em frente a ele, tirando com dificuldade sua camisola, atolada em seu corpo roliço. Em seus tenros 50 anos, ela estaria convicta de que, com seus dois filhos não morando mais em casa, ele e seu marido reviveriam suas vidas sexuais. Mas não foi assim. Seu marido já não tinha o mesmo apetite sexual de outrora. Já estava velho e gordo. E Juraci, mesmo estando na mesma situação, nunca parou de ter aquele incessante tesão e excitação que ainda encharcava a sua preciosa vulva, escondida e revestida por camadas adiposas e pelos pubianos presentes ali há mais de quatro anos.

Regimar, espantado, levantou-se e decidiu ir embora, todavia foi interrompido por Juraci. "Vamos fazer isso, aqui e agora". Necessitada disso, ela queria acabar com aquilo ali, naquele momento, naquele local. Não aguentava mais a carência sexual. E Regimar também não. Afinal, na sua 4ª década de existência, sua vida sexual também não ia nada bem. Subitamente, subiu-lhe a cabeça um tesão incontrolável, uma forte vontade de fazer o que há muito não fazia.

Dominados por volúpia, rapidamente os dois se despiram, exalando os odores de transpiração que os encharcavam e que os deixavam grudentos. Possessos por saciarem seus desejos carnais, os dois se agarraram com todas as forças que seus músculos decadentes revestidos de gordura podiam prover. Suas enormes protuberâncias na área da barriga lhes dificultaram a penetração, mas eles chegaram lá. E foi intenso como nunca. As pernas peludas e salientes de Juraci se entrelaçavam nas costas enrugadas de Regimar, enquanto ele, concentrando-se em ser preciso, tentava encaixar sua genitália naquela confusão de peles extras sobrepondo a vagina de Juraci.

Se envolveram em uma imparável troca de fluídos corporais, com beijos babados e gritos berrantes de prazer. Deleitosa, Juraci se entregava àquela espaçosa barriga de Regimar que, junto com a extensa camada adiposa dela, faziam os dois ficarem 1 metro separados do rosto um do outro, sendo impossível fisicamente se beijarem e alcançarem penetração ao mesmo tempo.

Após longos minutos de dificultosos movimentos pélvicos para prosseguir com a transa, Regimar finalmente terminara o ato. Se despedira rapidamente e, sem acreditar, voltou ao seu caminhão, enquanto deixara Juraci sorrindo a toa.

Ela estava maravilhada, nunca experimentara uma aventura tão fascinante quanto aquela. Aquele dia certamente para ela foi memorável, e reacendeu ainda mais as suas chamas de desejo sexual, que recuperara totalmente o seu anseio de viver, e a faria sorrir por anos. Isso, é claro, se não estivesse grávida e fosse parir um filho bastardo.

Enquanto isso, Regimar lembrava com um sorriso na face deste dia tão insano e especial, enquanto observava os pontos amarelos em seu membro reprodutor recém-surgidos. Essa experiência alimentaria a sua sede por masturbação por meses. Isso, é claro, se ele não estivesse contraído algum tipo de infecção aguda necrosante e tivesse que amputar sua genital em breve.

15/01/2013

O ceifador


 Maíra acordara cedo naquela manhã de Domingo. Era a voz serena de Izrael, seu irmão caçula de 6 anos, sutilmente se aproximando de sua cama, que a desperta. Não era apenas mais um sonho, era de fato ele. A garotinha ruiva de 9 anos já expressava um contagiante sorriso e euforia. Há muito que os dois não se viam. A última vez que se encontraram foi há um bom tempo, em um bonito e grande campo, com gramas aparadas, flores em abundância, além de placas de pedras estranhas por todos os lados, fixadas em pé sobre a terra. Maíra não entendia bem o que aquilo era.

 E era para esse campo onde Izrael iria levá-la. "Por que vamos pra lá?". Seu irmão retruca "Porque é lá onde estou morando agora". Finalmente iriam brincar, ser irmãos juntos novamente e matarem a saudade, assim pensava Maíra. Era um grande presente de aniversário pra ela.

 Os pais de garota não estavam de acordo em deixá-la ir para aquele local. Rejeitaram tal ideia após Maíra perguntar pela permissão deles. O pai temia que isso já começasse a ser sinal de insanidade. Diante da rejeição deles Izrael prontamente acalmou seus pais. Como ainda eram sete da manhã de Domingo, ambos os pais tinham acabado de acordar. Izrael gentilmente os colocou para dormir. Por um bom tempo. Sem que eles o vissem, claro. Não queria causar nenhum choque após tanto tempo se verem. Maíra não entendeu o que acontecera, mas seu irmão o assegurou que eles se reencontrariam. Em breve.

 Acompanhada por seu irmão, Maíra foi guiada por ele até o campo. Enquanto andavam, Maíra se dirigia a ele de forma contagiante. "Sabia que eu sonho direto com você, irmãozinho?" "Eu sei". To tão feliz de te ver de novo, Izrael, dizia Maíra. Ele retrucava de forma pouco amistosa. "Por que estamos indo praquele parque?". "Não é um parque, é um lugar pras pessoas descansarem e terem paz", explica o irmão. Ainda não estava claro para ela, mas estava contente e animada. Estava matando a saudade. "Você fará 10 anos amanhã, certo?". Sim, responde Maíra. Ótimo, ainda há tempo, dizia ele para si mesmo.

 A caminhada debaixo do banho de sol daquela manhã de céu limpo não impediu os dois de chegarem ao local, com pedras cravadas em pé por todo o lugar. Maíra ainda não saiba muito bem o que estaria fazendo lá. Izrael mandou-a deitar. "Vamos descansar um pouco aqui". Descansar? Maíra pensara que iam brincar. Relutante, ela se levanta, mas ele a derruba com hostilidade. "Descanse!", ele ordena. Maíra fecha os olhos, amedrontada. "E agora?", pergunta Maíra. Antes que pudesse esperar por uma resposta, a garota ruiva sente uma agonizante dor no peito, arregalando os olhos e berrando em sofrimento. Sua visão turva vê Izrael, com um sorriso maléfico, cravando uma faca com marcas de sangue nela.

 "Eu estava com saudades, então vim te buscar, irmãzinha" dizia enquanto ela adentrava o outro lado. "E desculpa pela faca suja, eu não tive tempo de limpar após colocar seus pais pra dormir também. Bem vinda ao meu lado, Maíra, agora vamos ficar juntos! Você, eu, a mãe e o pai!" Assim discursava Izrael. Ele se levanta, após ter cumprido o seu objetivo. Em um dia em que não se foi morta apenas a saudade, ele segue rumo de volta á sua pedra, onde esculpida nela dizia a frase "Que descanse em paz eternamente no reinado de Deus, Izrael."