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06/08/2018

O lado oculto de Xuihoctl

 Nos confins de uma galáxia extremamente longínqua, o planeta Xuihoctl orbita uma débil e tímida anã vermelha chamada Nhgasuz, estrela de pequena massa e tamanho muito reduzido.

A mesma face de Xuihoctl está sempre virada para Nhgasuz enquanto a orbita, devido à sua proximidade com a estrela. Assim, esse lado é incessantemente bombardeado pela cataclísmica emissão eletromagnética de Nhgasuz, condenando-o a uma eterna e brilhante fornalha estéril e desolada. Contrastante a isso, o lado oposto do planeta é envolto em perpétua escuridão, nunca jamais tendo sido agraciado pela luz forjada na serena nucleossíntese da anã vermelha. O lado oculto de Xuihoctl é igualmente desolado, abandonado em uma cegueira hedionda que recebe apenas o abraço penumbral de um firmamento inacabável, onde estrelas não brilham. Isso se deve ao fato do planeta ocupar uma posição peculiar nas moradas de sua galáxia.

 O sistema de Nhgasuz habita recônditos remotos e segredados da borda de sua galáxia, logo antes dela se dispersar em um insondável oceano de eterna solidão cósmica sem estrelas. Esse sistema pode ser considerado o último da galáxia, o vizinho estelar mais longínquo. Pode-se concluir também que essa estrela e seus planetas são os vizinhos mais próximos do vazio e incalculável abismo do cosmos entre o fim de uma galáxia e o início da próxima.

 Isso não é tudo. A órbita de Xuihoctl ao redor da estrela é praticamente vertical em relação ao plano galáctico. O eixo de rotação do planeta também é extremamente inclinado, fazendo com que ele orbite Nhgasuz deitado, de forma parecida à Urano. Isso resulta com que seu macabro lado oculto jamais contenha um céu para que, de sua superfície, sejam avistados os acenos de outros corpos siderais intragalaticos além, com exceção dos raros e fantasmagóricos brilhos de luzes estelares distantes nas extremidades horizontais, que não são capazes de iluminar a noite eterna desse anômalo lado oculto de Xuihoctl.

 Xuihoctl não tem lua, e não se conhece outros planetas em seu sistema. A estrela vizinha mais próxima talvez ronde há mais de 230 anos luz. O planeta tem uma estrela só pra si, e os dois erram solitários pelas bordas externas da galáxia, mais rápidos que qualquer outra estrela.

 Na vasta extensão probabilística de um interminável universo, há de se imaginar a mais exótica das configurações possíveis para a existência de um objeto celestial, com as mais excêntricas características. Nenhuma mente sadia jamais ousou conceder, contudo, a inexplicável e horrenda existência de Xuihoctl e suas peculiares características físicas.

 Até a descoberta desse corpo rochoso amaldiçoado foi de natureza estapafúrdia, uma vez que ele não foi descoberto de modo algum. Sua existência foi revelada de modo abrupto, capturada por telescópios que recebiam mensagens anormais vindas de sua direção, como um sistema que explode de repente com vida inteligente e implora por contato. Toda uma exaltação criada em torno dessa descoberta fantástica para descobrirmos, afinal, que sabemos menos do que imaginávamos. Uma luz misteriosa brilhou de forma breve em todo o espectro de emissão eletromagnética, vindo desse sistema anormal.

 Logo em seguida à esse esquisito evento, visões foram relatadas em pessoas ao redor de toda a Terra, descrevendo o caos instalado sob toda a superfície global de um planeta longínquo. O cenário era de um âmbar amarronzado obscuro, envolto em uma negritude total, apenas escassamente iluminado por uma débil estrela avermelhada. As imagens eram difusas, não se tinha uma perspectiva geral do contexto daquelas visões. O panorama era envolto em um insondável mistério, como se abraçado por uma intangível e nefasta entidade celestial, cuja constituição fora forjada nas brumas de uma malignidade cósmica. Uma extensa miríade grotesca de criaturas rastejantes foram relatadas, que propiciavam à essas alucinações visuais uma categoria além da simples esquisitice. Nessas mesmas epifanias também estavam incluídas paisagens cavernosas e desoladas, pertencentes à um mundo totalmente desconhecido, porém que tinha nome, assim como sua estrela. Quem os nomeou, não se sabe.

 Com os sinais captados pelo telescópio e os relatos, a suspeita era forte de que os dois eventos estavam conectados. O sistema de Nhgasuz foi alvo de tamanha atenção que observá-lo apenas por telescópios não era o suficiente. Em um ato que talvez tenha sido um erro indescritível da exploração espacial, sondas foram pra lá enviadas a fim de conhecer de perto esse estranho sistema, excêntrico e bizarro em toda a sua magnitude e que, além disso, transmitia de alguma forma suas paisagens assombrosas para a mente de pessoas aleatórias ao redor da Terra

 A realidade das visões relatadas foi confirmada pelas sondas quando lá pousaram alguns anos depois, nas áreas debilmente iluminadas pela estrela. Assim que as imagens foram transmitidas para a Terra, as primeiras a serem mostradas foram às pessoas que tiveram as visões. Todas entraram em um estado cacofônico de extrema insânia, como se a confirmação de suas visões engatilhasse uma faísca de delírio irrecuperável. As visões difusas de repente materializaram-se em uma fotografia repleta de contraste e nitidez, relevando todo o assombro e o pânico. Nenhuma dessas pessoas jamais voltou a respirar sem a ajuda de aparelhos.

 Aos demais desafortunados que puseram seus olhos nas imagens capturadas pelas sondas, apenas restam-nos torcer que algum dia se recuperem do desequilíbrio atordoador que os catapultou para fora de suas órbitas de sanidade, como um planeta errante que não gira ao redor de nenhuma estrela e não pertence à nenhuma galáxia. Quanto ao resto de nós, apenas esperamos que a nossa imaginação do terror, descrito por quem avistou a bizarria cósmica que emana daquele planeta, não seja o suficiente para que perdemos o controle de nossas faculdades mentais igual àqueles que avistaram a face de Xuihoctl.

 O que eles viram é em vão tentar descrever, uma vez que no ataque psicótico de suas pirações eternas e condenatórias ao total espanto, quase nenhum sobrou para que pudesse voltar ao cerne de suas almas e pintar para nós, de maneira confiável, o que foi registrado nas imagens. Aqueles que tentaram relatar caíram em um abismo ainda mais profundo de loucura, como se sugados por olhos negros abissais que espreitavam nas paredes cósmicas daquelas imagens misteriosas.

 Não se sabe como e nem por que houve esse repentino detectar simultâneo pelos telescópios da existência de Xuihoctl, seguido de visões ao redor do planeta inteiro. Especula-se uma força oculta por trás das bramas que compõem o tecido do espaço-tempo, que fabrica as propriedades do campo quântico cujos mistérios ainda mal compreendemos. Em nossa suprema ignorância, a nefastidão horrenda desse sistema pode ser apenas uma propriedade cósmica que ainda não tenhamos capacidade de vislumbrar. Ou, no recôndito abissal de nossos mais terríveis pesadelos, existam entidades que ajam alheias aos nosso delírios e receios, que consomem a energia do campo cósmico em suas fúrias aterrorizantes, cujas propriedades é impossível até de se teorizar.

 Talvez Xuihoctl seja a profana encarnação do próprio inferno, onde de acordo com os relatos, na escuridão perpétua de seu lado obscuro, emanações piroclásticas condenam à negritude daquele lugar medíocre à mais plena falta de misericórdia, onde seres rastejantes e reptiliformes trazem o horror e o caos à mente de quem os observa, aparentemente criados por deuses profanos com um distorcido senso de humor. A natureza desse sistema planetário é um mistério. O que propiciou o desenvolvimento dessas criaturas desgraçadas, condenadas eternamente a um tormento maldito, execradas de uma luz divina que a concedessem a glória de uma vida digna?

O sádico criador, se é que alguém pudesse ter tido a audácia e a malícia de conceder tal planeta, teria um senso de humor tão sórdido assim, agraciando-o com climas de natureza cataclísmica e inefável, castigando as almas soturnas daquele mundo maldito? Xuihoctl talvez fora uma conjuração metacosmica, sublimemente se apresentando como uma aberração planetária com seu show sinistro, construído pelas energias maléficas de um caos astronômico. Logo antes de uma vítima cair em um acesso espasmódico de gritos e pânico generalizado, seu relato incluía seres humanóides andando sem rumo naquelas terras longevas, com o semblante impresso em suas faces do mais puro desespero e desalento, como crianças buscando refúgio em um purgatório desalmado. Espécimes que se assemelhavam à humanos que já viveram, como se reencarnassem naquele planeta, condenados à rastejar como moribundos. Seres com a expressão de um completo sofrimento, de olhos totalmente escuros, como uma adaptação evolutiva para absorver o máximo possível da fraca claridade. Toda a sórdida forma de vida respirava naquela faixa debilmente iluminada do planeta, na transição entre a fornalha brilhosa da face sempre iluminada pela estrela e o lado eternamente enegrecido pela noite.

 Não se sabe mais nada a respeito do sistema de Nhgasuz, nem como ele surgiu, há quantos bilhões de anos existe, como aquelas exóticas formas de vida desenvolveram-se, nem o que significou todas essas visões. Seria um chamado? Um alerta? Um efeito quântico ainda desconhecido? A sonda perdeu contato após essas transmissões, por motivos misteriosos. As fotos sumiram. Não é possível confirmar a confiabilidade dos poucos relatos obtidos através das visões e das fotos. Mas o efeito do que foi mostrado desse planeta é real. Um pandemônio caótico se instalou na mente de quem teve seus olhos voltados para esse lugar herético. Após esses episódios de insânia, da qual um cético leitor custaria a acreditar, os telescópios não conseguiram mais detectar o planeta em nenhuma faixa do espectro eletromagnético, e tampouco sua estrela.

 Nenhum sistema planetário simplesmente desaparece sem deixar vestígios. Nenhuma nuvem molecular densa e escura tampouco foi detectada para que houvessem bloqueios na visualização do sistema pelos telescópios. Não se sabe o que aconteceu. Nenhuma explosão nas redondezas foi detectada. Esse súbito desaparecimento adiciona uma camada de mistério que ainda permanece indecifrável, arrepiando e amedrontando os sonhos até dos mais destemidos cosmólogos e astrofísicos do mundo inteiro.

 Nenhuma alucinação ou breves explosões de luz novas vindos deste sistema ocorreram desde então. No entanto, é de forte suspeita que o blasfemo sistema de Nhgasuz ainda exista de alguma forma, em algum lugar, viajando pelas bordas externas de sua galáxia em uma órbita solitária, carregando consigo seus pesadelos heréticos, suas respostas indecifráveis, a esgueirar cegamente na espreita infinita desse vasto universo de mistérios indizíveis.

 Anãs vermelhas são conhecidas por suas vidas tempestuosas. Por mais fracas e imperceptíveis que sejam na imaculada grandeza do universo, são instáveis e turbulentas, alternando entre longos períodos imperturbáveis e estrondos espontâneos de massa estelar, gerando ondas de calor insuportáveis em seu perímetro. Nos resta torcer e rezar, sob o conhecimento da existência desse hediondo sistema solar e seus planetas, para que a benevolência cósmica faça que Nhgasuz, sendo uma anã vermelha, expurgue em todo o seu esplendor uma apocaliptica ejeção destrutiva de energia e morte para o infame planeta.

 Xuihoctl foi apenas o primeiro planeta a ter sido testemunhado pela humanidade, que tomou conhecimento das carnais profanações a rastejar por sua superfície. Nenhuma alma plena de sua sanidade ousará imaginar se um dia Nghasuz voltará a se revelar novamente para nós, descortinando-se de seu véu de negritude e indetectabilidade para seduzir-nos novamente com seus convites sedutores à loucura e ao terror de seus enigmas e sua incógnita existência. Na vasta extensão probabilística de um interminável universo, nenhuma mente sadia tampouco jamais ousará conceder, neste amaldiçoado universo sem fim, se haverá mais destes a serem descobertos.