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24/06/2021

Uma pandemia que nunca vai embora

 Em 24 de setembro de 2020 tivemos o pior dia do Brasil daquele ano todo: 1703 mortos de COVID. O pior dia de 2021 até agora foi 8 de abril: 4249 mortes. Só ontem, 24 de junho, morreu 2392.

E o número de mortes está subindo, apesar da vacinação. Mas por quê? Bom, primeiro porque o ritmo da vacinação tá muito lento: só 11% até agora da população está imunizada com as 2 doses. E segundo, não estamos mais fazendo quarentena. Primeiro que o país nunca sequer fez lockdown, e agora nem nos damos mais ao trabalho de tentar. Tá todo mundo de saco cheio de ficar só em casa, as vacinas tão aí, vai ficar tudo bem... Né?

A consequência dessa ilusão é: de COVID, apenas nos últimos 3 meses de 2021 morreram mais de 200 mil pessoas, mais gente do que no ano 2020 inteiro. Em 2020, a pior média móvel de mortes diárias foi de 1096. Em 2021, passou das 3 mil e hoje estamos lá pelas 2 mil. Se levar só isso em conta, estamos duplamente afundados na merda. O SUS opera no limite e continuamos nos aglomerando. Aí temos Copa das Américas, motociatas, e prefeitos e governadores abandonando medidas restritivas.

Também temos novas variantes, como a Delta, da Índia, muito mais letal e transmissível. Mas o mais grave é o risco de uma variante que escape da imunidade vacinal. A inação criminosa do governo federal, pessoas recusando a se vacinar - especialmente aquelas que não tomam se não for a da Pfizer - e se aglomerando e não fazendo mais quarentena aumenta muito esse risco. Aí todo o trabalho de vacinação pode ir pro caralho. Um cenário perfeito para uma pandemia que nunca vai embora.

Será que vamos ter uma nova gripe espanhola, exterminando toda uma população até que se alcance a tal imunidade de rebanho? E se essa imunidade de rebanho nunca acontecer porque mais e mais variantes podem surgir, reinfectando e matando os que já tinham pego? Quantos mais terão que morrer? E o Brasil vai se consolidando como pária global, com um governo negacionista, obscurantista e anti ciência, sem alcançar imunidade coletiva vacinal, sem nunca ter feito lockdown, sem nunca ter impedido o vírus de circular, e sem nunca ter achatado significativamente a curva de mortes.

Se Bolsonaro for reeleito em 2022, pode esquecer alguma chance desse cenário mudar. Mesmo com pressão internacional, com países voltando a normalidade, não é como se relações externas fosse fazer qualquer efeito benéfico sobre este governo. Pra mudar esse cenário: somente um líder que decrete lockdown nacional em coordenação com autoridades estaduais e municipais, que amplie a testagem e o rastreio de contatos, coloque em prática o plano nacional de imunização, invista em um Ministério da Saúde competente, científico e não negacionista, que valorize o Sistema Único da Saúde, amplie o auxílio emergencial, e que consiga unir a nação em torno desses objetivos, para tirar o país desse horrendo abismo interminável de desamparo e morticínio.

Mas, por enquanto, isso sequer pode ser visto como uma perspectiva realista sobre o futuro próximo. O Brasil do futuro próximo é o país que enquanto o mundo se recupera, aqui vamos voltando a nos aglomerar, em um retorno ilusório à normalidade - com milhares ainda morrendo de COVID, durante uma pandemia que nunca foi embora e, dado o atual cenário, nunca vai.