Páginas

25/09/2015

Sem estrelas no céu escuro


 Em uma galáxia longínqua, havia esse planeta que em um passado muito, muito remoto, chamavam-a de "Terra". No período geológico Holoceno do Cenozoico, destacou-se o Homo Sapiens, da família dos hominídeos.

 Povos e impérios surgiram e caíram. Culturas globalizaram-se. O mundo inteiro tornou-se uma civilização global, composta pelos nossos antepassados humanos. A mentalidade arcaica da sociedade daqueles tempos, no entanto, foram altamente danosas. Poluição, desmatamento, guerras e ganância, extinção em massa de espécies, exploração de recursos naturais. Ações que conforme décadas se passaram tornaram-se insustentáveis para o equilíbrio do planeta.

 Nossos ancestrais não mediram suas consequências em ferir ininterruptamente o ecossistema da qual tanto dependiam. De natureza dúbia, os hominídeos da época foram, no entanto, capazes de superar suas atitudes de caráter questionável.

 Fomos capazes de aventurarmos-nos pelas estrelas. Séculos de conhecimento e ciência aliados à curiosidade foram aplicados à alma do espírito aventureiro e desafiador do homem. Lançamo-nos rumo ao céu noturno. A colonização do espaço sideral era, em primeira instância, necessária a longo prazo.

 O planeta que uma vez os humanos habitaram, chamado "Terra", não mais era um lar sustentável para a demanda da espécie. O aquecimento global havia tornado-se irreversível. A tecnologia para conter as ações prejudiciais ao habitat natural contrastavam com a ambição e a vaidade humana. Mesmo se eles tivessem tornado-se sustentáveis; o Sol, estrela hospedeira do planeta, iria esgotar o hidrogênio em seu núcleo, explodindo em alguns bilhões de anos. O que de fato aconteceu. Nunca jamais existiu tecnologia capaz de impedir esse processo. A estadia permanente dos humanos da Terra seria impossível de qualquer forma.

 Colonizar exoplanetas habitáveis em sistemas estelares distantes era necessário. Na infâmia de nosso antropocentrismo, a perpetuação da espécie humana estava intrínseca à sua capacidade tecnológica de lentamente ir se instalando em outros mundos. 

 Então, através das eras, os homens navegaram pelos mares negros do universo, colonizaram novos planetas, abandonando planetas condenados, atravessando galáxias, enfrentando mortes em massa por pousar no planeta errado, e entrando em guerra com outras civilizações intergalácticas... mas isso são histórias pra um outro dia.

 Nessa escala cosmológica, milhões de estrelas morreram. Outras estrelas nascem dos remanescentes químicos de outras estrelas que um dia explodiram em uma violenta, brilhante a catastrófica explosão. Essa lei imutável seguiu-se por bilhões de anos, permitindo que gerações de hominídeos perpetuassem sua existência através das eras, instalando-se em novos planetas por mais tempo com o emprego de tecnologias e políticas mais sustentáveis.

 Nas brumas do tempo-espaço sideral, porém, nenhuma estrela vive eternamente. A antiga hospedeira Sol morreu há muitos éons. E muitas outras hospedeiras estelares tiveram o mesmo fim através dos bilhões de anos. O Homo Sapiens, em sua sábia virtude, soube sempre prever a data da morte de sua estrela hospedeira, a fim de planejar-se rumo à outras terras longínquas do espaço.

 Após essa longa jornada cósmica, somos uma espécie completamente diferente. A evolução nunca pára. A transmutação celeste é infinita. Temos a lucidez de estarmos a mercê das leis da natureza. Nenhuma estrela vive eternamente, e com a ascensão da velocidade de expansão do universo, a matéria tornou-se mais condensada, dispersa e, sobretudo, mais fria conforme os (bilhões) de anos.

 Em nosso atual planeta, nossa estrela em breve morrerá.

 É hora de partir novamente. Com a condenação do nosso próprio terreno celeste, decretamos a vez de evacuar mais uma vez para o infinito cosmos em destino a uma nova estrela que comportasse nossa espécie. A humanidade destrava os portões de sua casa em busca de um novo lar.

 No imenso abraço do firmamento, a escuridão atravessa o que antes nos era um lar propício à vida. Embarcamos em novas terras cósmicas. Em alguns milhares de anos, nosso planeta estará em um banho mortal de radiação pela sua estrela hospedeira em fase de colapso, tornando-a estéril para a vida.

 Nenhuma estrela vive eternamente. A matéria condensada, dispersa e fria dissipou-se junto com a expansão das texturas do espaço tempo. O universo traça seus finais momentos. Há muitas eras não vislumbramos o céu à noite com o mesmo esplendor de nossos antepassados hominídeos na Terra. Em nosso último planeta, não tínhamos mais estrelas no céu noturno. O que aconteceu com todas as estrelas?

 Nós, como espécie, no nosso atual estado nômade celestial, parecemos não termos um novo palco planetário para poder respirar o oxigênio de sua atmosfera. Porque o oxigênio está disperso e frio, junto com todos os outros gases e materiais essenciais para o desenvolvimento de novas estrelas, planetas e condições de abrigo à vida.

 Somos exploradores do universo. Navegamos nos mares negros siderais por bilhões de anos, dando continuidade à nossa espécie em novos planetas, em novas galáxias, em longínquos cantos do cosmos.

 Conforme os aeons cósmicos transitaram, no entanto, menos estrelas eram visíveis no firmamento de nossas moradas planetárias.

 Estamos em busca de uma estrela. Uma estrela que talvez possa ser eterna, com um planeta em sua órbita, capaz de nos abrigar confortavelmente. Mas o oceano cósmico não nos pisca nenhuma distante luz, nem mesmo fraca o suficiente para ser detectada pelo mais poderoso telescópio.

 A última estrela parece estar morta, e o universo escuro como a mais sombria noite. Não nos parece ter sido dado outra chance nos últimos respiros do universo. Nossa sonda mãe agora circunavega as margens de um espaço em seus momentos finais.

 Estamos a procura de um novo lar, mas o universo não é mais como antes. As estrelas que antes existiam morreram, e seus gases e matéria não mais foram capazes de formar novas estrelas e planetas. As galáxias estão apagando, como holofotes de um palco teatral.

 Quando a última luz apagar, não terão aplausos.

 O espetáculo chegou ao fim. Acredito que nossa jornada acaba aqui. Juntos em um abraço mortal, até nossa gélida respiração final, vagaremos diante das marés negras, calmas e estáticas... eternamente no céu escuro sem estrelas

24/03/2015

Eu voltei

 É fácil para um homem perder a sanidade quando não há mais nada que ele possa perder. O emprego, o carro, a casa, e por fim, a mulher e filhos. E tudo por causa de alguns cretinos que não mereciam o oxigênio desse planeta.

 Quando um homem perde tudo, ele as tenta recuperar, engole suas lágrimas, batalha por uma guerra ainda não perdida, e luta de cabeça erguida para recuperar o que é seu. Mas quando um homem perde até mesmo sua dignidade, e o último lapso de seu orgulho é rasgado de sua pele, o que lhe resta? As garrafas de uísque não servem mais. O charuto não inibe a dor e as prostitutas já são todas descartáveis. Matar não é mais uma questão de vingança, e sim um mero entretenimento.

 Eu virei psicopata? Ou apenas sempre fui um?

 Ahh isso não importa agora.

 O primeiro filho da puta que eu mandei comer capim pela raiz me fez sorrir até onda não haviam mais dentes. Ele tinha um belo coturno e as minhas botas já estavam deterioradas, e eu mal tinha dinheiro pra pagar a conta naquele bar medíocre. O que eu estava fazendo lá? Eu não me lembro. Mas ele era um deles. Eu tinha certeza!

 Esperei até o sujeito sair daquela porra de reduto para fracassados e errantes inúteis. Não me lembro como paguei toda aquela quantidade de Jack Daniels afetando meu cérebro, mas me lembro muito bem de ter arrastado o infeliz pro beco da esquina e enfiado o punhal repetidas vezes na jugular dele.

 Minha jaqueta não manchou muito, mas eu precisei lavar meu coturno novo cinco vezes pra tirar todo o sangue.

 Pensei que ficaria assustado ou que a polícia me pegaria em breve, mas ninguém sentiria empatia ou saudades daquele bastardo. Era um degenerado com um pé no inferno. Eu apenas coloquei o outro pé dele.

 Meu segundo assassinato não demorou muito. Eu estava disposto a matar qualquer cretino que se metesse no meu caminho. Foi em uma de minhas andanças a esmo, durante uma garoa fina de um céu introspectivo e negro. Eu não tinha mais dinheiro para pagar as prostitutas. Só tinha uma garrafa já vazia de pura aguardente e a merda da coceira se espalhando pelo corpo inteiro implorando por um maldito cigarro.

 A mente e a razão esvaecem, e quando menos noto preciso sair correndo daquela calçada mal iluminada e deserta, onde escorre uma poça de sangue. Dessa vez o azarado que eu mandei pro purgatório com meus punhos não era um deles, mas o filho da puta deve ter merecido. De algum modo, ele foi primordial pra eu achar o próximo alvo da minha lista de sentenciados.

 O meu eu sóbrio já estava morto há tempos, então só me lembro de estar chutando a porta de um bar fedorento nas esquinas do inferno com meu coturno novo e esmurrando o primeiro arrombado que cruzasse meu caminho. Três gordos perdedores fedendo a merda de gato jaziam no chão com os cacos de vidro das garrafas de cerveja que enfiei em seus rostos barbudos e repugnantes. Não tive tempo de me desviar da pancada no crânio que levei. O taco de sinuca nas mãos de um dos cinco homens quebrou-se ao meio em cima da minha cabeça. O segundo tentou me enforcar, mas isso não me impediu de continuar mandando mais alguns corpos pra pilhagem. Me livrei dos dois e nocauteei o terceiro esmagando o cérebro inútil dele contra a parede de tijolos daquele muquifo de fim de mundo. Apaguei o quarto com uma testada bruta no nariz.

 Não tive a mesma sorte com o quinto homem... Desgraçado! Com um soco inglês, o corno! E era um deles! Tentei revidar e me reerguer, acertando um gancho no queixo dele, mas era tarde. Meu resquício de consciência morto pelo álcool me fez desabar no piso por alguns segundos, mas quando me reergui o viado já tinha ido embora.

 Devo ter acordado alguns dias mais tarde em algum lixeira há algumas quadras dali. Nesse intervalo de tempo devo ter dado o fim à mais alguns infelizes... não me lembro perfeitamente.

  Por que me deixariam vivo? Que tolo engano.

 Um mendigo me colocou sentado e perguntou se eu estava bem. Meu corpo inteiro doía e meus hematomas estavam por toda parte, mas isso não me impediu de deixar o mendigo com alguns hematomas também. Saí dali o mais rápido possível.

 Onde eu tinha deixado meu carro? Nahh que se foda... nem sabia mais quem eu mesmo era. O álcool era o único combustível que queimava minha sede por matança. E teria sido somente uma questão de tempo até eu achar e esganar o condenado... embora eu não soubesse exatamente quem fosse. Eu acho que já estava indo longe demais...

 Cheguei no motoclube do velho João, onde pude me banhar e roubar algumas doses de licor, como um irmão distante que acabara de chegar. Desfrutei de algumas horas da agradável Stefany, a puta mais carinhosa daquele cabaré, e amiga de antigos tempos. Uni o útil ao agradável e reuni informações valiosas dela. O filho da puta que me nocauteou com o soco inglês era um dos capangas do miserável Jader Andolino, quem em breve eu iria me encontrar. Jader costumava frequentar o bar do Bin Laden e estuprar garotas que ousavam se aventurar por aquele limbo de repugnância.

 Stefany disse que ele estaria lá na noite seguinte. Sabendo que Jader sempre andava armado, ela providenciou com o velho João a "segurança" necessária para eu ter um papinho com ele na "área de fumantes".

 O bar do Bin Laden era sempre frequentado por beberrões assassinos, então era o lugar perfeito para um extraviado como eu. Já em estado de embriaguez - e não me lembro o porquê -, o sujeito do meu lado estava desmaiado no chão de ureia com a cabeçada que eu dei em seu nariz. Não sei o que ele fez para merecer aquilo. Não diria que ele era "inocente"; somos todos culpados nessa merda de vida.

 Jader Andolino não sabia que exalava suas últimas respirações, assim como eu não sabia que bebia uma das minhas últimas doses de Jack Daniels. Eu o encarava do balcão do bar, apenas esperando Stefany chegar ao seu lado, como uma velha amiga colorida. Eu podia ver dali o coldre de Jader. Era um deles! Meus nervos tremiam para não sacar meu revólver e fuzilá-lo, então apenas me restava imaginar arrancando seus olhos ali, bem na frente de todo mundo.

 Meu crânio ainda latejava de dor, e mesmo o cigarro não amenizava. Era uma dor mais profunda, pior do que de todas as pancadas que levei dos tacos e do soco inglês daquele filho da puta sentado logo ali na frente, mal sabendo que ele sorria para a morte. Stefany se aproximou dele amistosamente, exibindo seu sorriso encantador e ocultando perfeitamente sua Colt 45 no coldre em baixo de sua mini saia. Que pernas!

 Já haviam se passado... quanto tempo? Eu não faço a mínima ideia. Stefany fez o sinal que havíamos combinado no motoclube. Os dois saíram acompanhados, em direção à saída, e como num jogo teatral, Stefany fingiu que me reconheceu como um amigo que há muito não via. Disfarçadamente, se aproximou de mim junto a ele para me cumprimentar, me apresentando ao meu "novo camarada".

 Após um breve papo, combinamos de ir para a "área de fumantes". Stefany se posicionou ao meu lado, e Jader seguiu a frente. Assim que Andolino entrou na "área de fumantes", seu rosto virou para nossa direção e teve um beijo roubado pela sola do meu coturno recém adquirido. O impacto foi forte, e o bastardo foi arremessado, o que teria sido uma cena engraçada se não eu estivesse possesso pela fúria.

 Stefany trancou a porta.

 Estirado no chão, meu peso caiu sobre o corpo frágil e ridículo de Andolino com um golpe certeiro logo no meio de sua face imoral, pedindo clemência para um ser impiedoso que despejava toda a força dos braços para amassar seus ossos.

 "Faça as perguntas antes que ele engula os próprios dentes e não consiga mais falar" disse Stefany para mim.

 Me levantei e apontei meu revólver emprestado do velho João para o fucinho de Jader, proclamando: "É melhor que me dê respostas, Andolino, ou você será carregado daqui direto para a sua cova!"

 Andolino deu um sorriso febril, ainda recuperando o fôlego que foi tirado dos meus socos.

 "Você quem está cavando sua própria cova! Você acha que isso foi um complô? hahaha... você foi vítima da sua própria loucura! Teceu seu próprio destino fadado à morte trágica e à solidão... seu verme! Eu e meu pai apenas o colocamos em seu devido lugar, mas você não aprende... Por que acha que foi demitido de seu emprego, perdeu tudo o que tinha e foi abandonado pela sua mulher e pelos seus filhos?"

 Toda a raiva, o desespero, a ira e o ódio se uniram em um grande acesso de cósmica fúria, e um turbilhão de nervos me fez berrar somente um categórico "Vai se fuder, seu filho da puta!!!" e engatilhar meu revólver apontado para a testa de Jader.

 Houve um eco do disparo por todo o bar, e um gemido rouco de dor saiu de pulmões perfurados pela bala da Colt 45 da Stefany. A filha da puta nem ao menos me explicou o por quê ter me traído desse jeito tão sujo!

 O sangue descia pelo meu corpo e manchava toda a minha roupa. Meu coturno já manchado fora banhado em poça vermelha, e Stefany destrancou a porta da "área de fumantes" e eles entraram.

 Eram eles! Eram todos eles (os que restaram vivos). Estava também o velho João...

 Ninguém arma uma armadilha pra mim! Stefany, aquela vagabunda... deve ter sido feita de bode expiatório para o velho João, que sorriu para mim ao ver seus planos darem certo, sejam lá quais tenham sido. Ele deve ter sorrido por longos quinze anos, tempo que eu passei em cana. Teria passado menos, se eu não tivesse afogado um policial na privada cheia de bosta e arrancado a orelha do meu "companheiro" de cela. O viado ficava olhando pra mim como se quisesse sugar minha alma.

 Todo a estirpe de Jader me abandonou sangrando naquele chão imundo. Me disseram algumas coisas sobre "os direitos de propriedade dos terrenos" e "o comércio de enxofre", mas nesse momento eu estava anestesiado pelo álcool e a bala nem doía mais. Eu nem ao menos me importava ali se eu iria morrer ou não... quando se é traído por uma prostituta, não dá pra se surpreender com mais nada.

 Chamaram a ambulância que em seguida me encaminhou até a delegacia de polícia, onde me mandaram à prisão. Eles já estavam me procurando antes mesmo do meu primeiro assassinato... antes mesmo de eu ter perdido meu emprego. Jader já sabia disso!

 Eu aguentei todas as sessões na solitária e as torturas aleatórias que os policiais corruptos e nojentos combinavam para me dar. As quatro tentativas falhas de escapatória devem ter ajudado na motivação deles em me bater...

 ...Até o dia em que eu fui solto. "Você cumpriu sua sentença e está livre para ir", me disseram. Grande bosta... nunca me livrarei da minha real sentença. A sentença de sofrimento eterno em busca de uma vingança que jamais será alcançada, mesmo através das inúmeras mortes que causei durante todo meu percurso.

 Mas a minha busca não está acabada. Meu objetivo ainda vive, sendo mastigado pela fome da minha ira. Porque quando um homem perde tudo, só lhe resta perder a sanidade.

 Eu voltei, seus filhos da puta. Estou indo atrás de vocês... Estou precisando de um coturno novo.

12/01/2015

Consulta psicológica

Desviou o olhar por um instante, concentrou-se mentalmente e iniciou seu raciocínio.

 "Não sei por onde começar. Sei lá, o que eu poderia falar? Não são problemas de verdade. Está tudo aqui dentro. São apenas barreiras psicológicas. Não é como se eu tivesse um pai alcoólatra com câncer renal ou uma casa caindo aos pedaços. Eu não tenho nenhum tipo de síndrome ou doença genética rara. Não sou deficiente físico... pelo o menos todos os meus membros ainda funcionam, se é que me entende". Soltou um leve riso sarcástico pra dentro.

 "E ainda sim, me sinto acorrentado, como se essas dificuldades criassem um campo de força que me aprisionasse. Obstáculos mentais acabam se tornando físicos também."

Respirou profundamente, e prosseguiu, enquanto ainda restavam 21 minutos da consulta:

 "Eu vejo o mundo com a perturbação que ninguém vê. Quando eu passo pela cidade, eu imagino os prédios corroídos daqui há alguns séculos, quando a humanidade estiver extinta. Eu também me sinto incapaz de me relacionar com as pessoas. Minha última namorada... ela era linda, mas depois de uns 2 meses eu comecei a ficar cansado... ela tinha bigode. Ralava na hora de beijar. E não sabia como manter uma boa conversa, sabe. Era uma merda, mas o pior foi que ela me deu o chute primeiro. Disse que queria explorar novos horizontes. Quando ela me disse isso eu fiquei muito chateado... mas hoje eu só fico puto, porque agora entendi que ela quis dizer que tava afim de chupar buceta! Dá pra acreditar? hahahaha"

 Enquanto discursava, mantinha seu sorriso e uma gesticulação informal, demonstrando total serenidade, embora ainda se alimentasse do receio. Tentou retornar á um tom mais sério.

 "Existem no mundo pessoas com tantos problemas. Eu tenho emprego, eu tenho uma casa... não tenho namorada, mas não preciso de dores de cabeça. Especialmente depois ter sido trocado por outras mulheres... Enfim... Eu-eu tenho saúde razoável..."

 Parara alguns segundos para reflexionar e alinhar sua linha de pensamentos.

 "...Mas ainda me sinto infeliz. E eu não quero buscar a felicidade. Eu não preciso ser feliz. Eu só preciso parar de me odiar, ok? De alimentar esse amargor e o ódio constante. Felicidade é um conceito egoísta. É a busca de quem tá pouco se fudendo!"

Aumentara razoavelmente seu tom de voz nesta última palavra.

 "Os problemas dos outros parecem tão banais perto dos meus. Sabe como é.. a grama do vizinho é sempre mais verde. O pau do negão é sempre mais longo. Por outro lado, ás vezes meus problemas são ridículos e risíveis. Você consegue me entender? Eu..." pausou para bufar. "Eu acho que a mente tem um poder magnífico sobre as nossas vidas. Não de forma sobrenatural, mas científica. O que pensamos controla nossas atitudes, nossa maneira de ser, nossa maneira de viver. O abstrato se converte em concreto, entende? Grandes revoluções e criações na história humana surgiram de simples ideias. De conexões sinápticas na massa cerebral de alguma pessoa."

 Pausou novamente para realinhar o seu eixo lógico, parecendo desnorteado e desesperado para conseguir se expressar.

 Ele tinha mais 17 minutos de consulta.

 "E-eu... eu acho...  Ahhh... eu também acredito que a mente também pode ser uma inimiga. É o que eu sinto ás vezes. Uma eterna guerra entre a minha consciência e os meus pensamentos mais profundos. O que eu quero dizer é que meus pensamentos me aprisionam. E toda vez que tento sair da minha zona de conforto, acaba sendo um esforço em vão e eu volto para o meu casulo de isolamento, para a estaca zero. Eu continuo preso neste ciclo e não sei exatamente o que fazer. Enfim... o que você acha?"

 O paciente, confuso e engasgando com suas próprias palavras, tentou achar algo para dizer:

 "Me desculpa, doutor, como assim?

 "Eu achei que você pudesse dar sua opinião sobre isso."

 "Eu vim pra falar do MEU problema, doutor..."

 "Certo, certo... desculpa, eu acabei me desconcentrando um pouco, hãm... vamos lá. O que você está fazendo em relação ao seu problema?" perguntou o doutor, sem nem mais lembrar qual era a maldita situação do paciente.

 "Eu tenho bebida muita água, doutor. Mas eu me sinto incapaz, ás vezes, de fazer o que é preciso. Sabe, eu tento acordar mais cedo, me alongar, comer mais frutas... mas eu continuo travando."

 "E o que você acha que seja isso?" perguntou vagamente o doutor.

 "Não sei, doutor, o que você acha?"

 "Olha... não sei por onde começar. Eu também me sinto incapaz de tomar as atitudes necessárias na minha vida. Sabe, certas coisas que devemos mudar em nós mesmos, que sabemos que fazem mal tanto para nós quanto para os outros. Eu, por exemplo, me canso das pessoas rapidamente. Uma vez mandei um paciente tomar no cu logo no final da primeira consulta..."

 O doutor respirou fundo e deu avanço ao seu raciocínio. Ele tinha mais 15 minutos de consulta.

07/01/2015

Kayke Rockstar

"Quem é o próximo?" perguntou o diabo, com sua voz rasgante e grave, em um tom nada amigável.

"Sou eu, senhor."

O diabo, com um sorriso sarcástico no rosto, mediu o corpo esguio e frágil do rapaz. Ambos entram no escritório do príncipe das trevas.

"Kayke Brito, né? Você que marcou hora comigo, docinho?"

"Sim, senhor, diabo."

"Sente-se, seja CALOROSAMENTE bem vindo" imediatamente rindo satanicamente após proclamar tal estúpida aneodota.

Kayke expressou um leve riso de incômodo. Com as fichas em mãos, o diabo repousa seu tridente sob as paredes em chamas de sua sala infernal, com uma expressão imutável de sarcasmo em seu rosco diabólico.

"Aqui diz que você deseja se tornar uma celebridade, um famoso, e que me veio procurar para que eu lhe conceda este... favor."

"S-sim, senhor, diabo."

"Desculpa, você está confortável? Quer que eu aumente o ar condicionado?" gargalhando de imediato, fitando seus olhos de sarcasmo nos de Kayke. "Ou você tá com frio? Quer que eu acenda a lareira?" explodindo em risos novamente.

"Piada boa... Então... o que você tem para me oferecer, garoto?

Kayke suspira e, visivelmente desconfortado, começa:
"Sabe, senhor..."

"Diabo, por favor."

"Como?"

"Tenho muitos nomes, não me chame de senhor. Pode me chamar de Diabo, Demônio, Belzebu, Belial, Capeta, Capiroto, Cramunhão, Coisa Ruim, Lúcifer, Leviatã, Mefisto, Mefistófeles, Tinhoso, Satã, Satanás... como quiser, eu tenho inúmeros nomes e representações. Enfim... o que você tem a  oferecer?"

"Eu... eu queria muito fazer sucesso, ter dinheiro e fama, e eu acho que você é a melhor opção pra fazer isso acontecer, senhor... Diabo Demônio Belzebu Belial Capeta Capiroto Cramunhão Coisa Ruim Lúcifer Leviatã Mefisto Mefistófeles Tinhoso Satã Satanás."

A face antes sarcástica agora dera lugar a um puro sentimento de desprezo pela alma ingênua que sentava em sua poltrona demoníaca. Kayke permanece sem reação, enquanto o progressivo desprezo do diabo permeia a sala. Ele ajeita sua gola e coloca as mãos em seu tridente.

"E o que você tem para me oferecer?"

Kayke desesperadamente tenta prosseguir sua argumentação.

"É difícil tentar ser um famoso sem o apoio da mídia, da imprensa... o que eu to querendo dizer... é difícil ser independente nesse meio, é tão competitivo..."

"Cara..." interrompe o diabo, impaciente. "Você... por que você não procura um emprego e para de encher meu saco satânico?"

"É que eu fui demitido..."

"Ai meu tridente... e você pede socorre á mim pra resolver a tua vida de merda? Sem nem ao menos ter algo para negociar?"

Kayke se revolta, porém segurando parcela do que sente.

"Qualé seu capeta, eu desci todo o caminho até aqui. Eu não vou levar nada?"

O diabo exala uma de suas entusiásticas e quentes risadas, que fez Kayke sentir seu bafo infernal do outro lado da escrivaninha do Excelentíssimo Capeta.

"Sabe o que tu vai levar daqui, Kayke? Uma chifrada do capeta no olho. E meio metro de tridente no rabo"

Em poucos segundos, seu sarcasmo se transformara em apatia.

"O que eu posso lhe dar? 15 anos de vida, uma alma, um bode, uma virgem?"

O diabo, dessa vez, apenas expira uma risada de desdém, já impaciente e mau humorado.

"Você vai ter que ser mais criativo que isso..."

Um breve silêncio se instala, e o diabo expira uma breve risada novamente.

"Eu sou um homem de negócios. Eu tenho os melhores advogados e empresários aqui, trabalhando pra mim. Eu sou uma força da natureza. Eu não perco meu tempo com gente como você. Eu sou o rei do inferno, aqui eu faço bolo sem precisar de forno, cara."

"Se você é um homem de negócios, o que você precisa pra me tornar um rockstar?" disse Kayke, abalado, embora ainda persistente.

"Rockstar? Ainda existe essa babaquice? O que você é, um vocalista de boy band? Esse seu cabelo não me engana, moleque... você é daqueles que usa o microfone pra cantar e depois pra socar no brioco? Ein? Haha... Eu conheço esse tipo... existem muito deles aqui no meu reino, garoto."

O diabo estava com a tão costumeira face sarcástica novamente, se deleitando na arte de rebaixar os outros moralmente.

Relutante, Kayke ainda tenta contra-argumentar em prol de convencer o diabo:
 "Na verdade, eu queria formar uma banda de heavy metal. Eu só preciso de sua garantia que dará certo."

 O semblante diabólico do Senhor Belzebu transfigurou-se inteiramente, como de total desdém, passasse para um súbito interesse pelo garoto.

 "Heavy metal, hãm?" disse o diabo. "Você tá zoando com a minha cara?"

 "Não, cara, eu quero ter uma banda de metal"

 "Sabe, eu já tive uma banda de metal antes..." falou o diabo, como se repente quisesse puxar assunto. "Mas eu abandonei aquela banda, cara... os caras eram otários, não tinham o espírito rock 'n' roll. Um virou cristão e o outro começou a virar fã de Avenged Sevenfold... aí não dá né, eu caí fora. Eu conheço um espírito rock 'n' roll quando vejo um... eu criei o Ozzy Osbourne, porra. Eu também criei o Marilyn Manson, e me desculpo por isso, mas... era tão bom ter uma banda de metal. Viajar o mundo, espalhando a palavra. Parece que essa essência se perdeu..." o diabo fez uma pausa dramática e prosseguiu: "Você tem o espírito rock 'n' roll, Kayke Brito?"

 "Sim, eu tenho!" respondeu o Kayke, segurando sua euforia e poupando suas palavras para que não acabasse falando besteira.

 "Eu não estou convencido."

 "Eu tenho o verdadeiro espírito rock 'n' roll do diabo em minhas artérias!" liberando toda a sua energia para fora dos pulmões.

 "Eu não estou convencido!" gritou o diabo. Sua sala já fora dominada por uma vibrante sensação de rock 'n' roll pulsando por entre as flamas queimantes daquele inferno.

 "Eu tenho o espírito rock 'n' roll concedido pelo diabo e quero ter uma banda de metal de sucesso concedida pelo próprio diabo!!!!!" a sala então estrondou em um barulho infernal de guitarras diabólicas, e tanto Kayke quanto o diabo explodiram em contentamento e se cumprimentaram com um forte aperto de mão satânico.

 A celebração continuou ao fundo, com as guitarras diabólicas e as baterias insanas incendiando a aura infernal do diabo, que propôs: "Eu lhe concedo a banda, mas eu terei que participar dela. Eu posso ficar no baixo, mas eu queria usar umas letras minhas também!"

 "Com certeza", sem hesitar disse Kayke.

 O diabo sorriu de felicidade, abriu a gaveta de sua escrivaninha e, com seu tridente, perfurou um tipo de papel e o jogou sobre a mesa.

 "Assine esta merda de contrato, que juntos teremos nossa própria banda de heavy metal com o verdadeiro espírito do metal. Tome esta agulha, despeje um pouco de seu sangue sobre a parte sublinhada. Agora, se me permite, senhor Kayke, com licença que eu tenho mais clientes pra apresentá-los ao tridente. Vamos ensaiar assim que possível. Mal posso esperar para tocar em uma banda de heavy metal novamente!!!!"

"Muito obrigado, senhor Diabo Demônio Belzebu Belial Capeta Capiroto Cramunhão Coisa Ruim Lúcifer Leviatã Mefisto Mefistófeles Tinhoso Satã Satanás."

O diabo, acompanhando Kayke até a saída, seu futuro companheiro de uma nova banda de metal, bateu em suas costas em um gesto amigável:

"Por você favor, me chame só de Levi"