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11/04/2012

Irmãos de sangue

 Hugo e Kelvin não eram somente amigos. Eram irmãos. E assim que eram conhecidos nas festas, da qual eles mesmos se nomeavam: "Irmãos de sangue". E um morreria pelo outro.

 Não eram só amigos. Eram mais do que brothers de longa data. Eram gêmeos fertilizados em úteros diferentes. Um iluminava a outra parte obscura do rosto do outro. Um preenchia a fraqueza do outro. Um fortalecia o que o outro já tinha de forte. Um iluminava no outro o que já estava bem iluminado. Cada um cortaria seu dedo para oficializar o nome "Irmãos de sangue". E um faleceria pelo outro.

 E ao mesmo tempo que se assimilavam em tantos aspectos, também se contrastavam de forma incrível. Se diferenciavam bastante. Principalmente, por terem sexualidades diferentes. Porque Kelvin era homossexual. Mas ainda sim, um morreria pelo outro. Um doaria sua alma e pereceria pelo outro.

 E todos sabiam que isso era verdade. Um brigaria, lutaria, competiria por sua própria pele para salvar a do outro. Porque, afinal, eram irmãos. Irmãos de sangue.

 Tanto que houve uma certa ocasião - há anos trás - quando naquela noite, os irmãos de sangue voltavam, juntos, abraçados como bons irmãos e afetuosos amigos que compartilham entre si a mais pura e saudável artéria de amizade. Desciam a avenida, na penumbra da madrugada. Levemente bêbados, sorridentes, riam conversando banalidades, seguiam rumo aos seus lares após longas diversões naquela noite.

 Alguns metros há frente, se aproximava uma figura misteriosa, ocultada pela sombra daquela noite. A cada segundo era mais certo de que as rotas se cruzariam. Os passos da figura se tornam mais rápidos, em direção a eles. Inicialmente os irmãos de sangue não se importaram, até que a figura misteriosa se chocou contra ambos. Violentamente, o ser, relevando-se um crioulo de porte físico médio, medindo pouco menos de dois metros, induvidosamente puxou seu revólver. Analisando os dois abraçados, caminhando sós pouco antes da alvorada, concluiu que fossem um casal gay.

 Pasmos, Hugo e Kelvin não tinham escolhas. Ou era estupro de um ou a vida de ambos. Naquela noite, Kelvin cedeu-se a ser violentado sexualmente pelo negro para salvar a pele dele e de seu irmão de sangue. Em troca de um pouco de satisfação sexual, provavelmente. E assim foi. Porque, afinal, eram irmãos. Irmãos de sangue. E um morreria pelo outro. E naquela noite, nada foi diferente.

 Tal fato foi traumatizante o suficiente para ambos apagarem este capítulo das páginas de suas memórias. Lavada as lembranças deste fato, Hugo e Kelvin ainda detinham um forte laço de irmandade, que teve o ápice de sua ascensão durante uma festa. Como uma grande fortaleza, queriam de uma vez oficializar a irmandade entre os dois. E entre todos os presentes, cortaram a ponta de seus dedos e encostaram o sangramento dos furos um no outro. E se tornaram, legitimamente e oficialmente, "irmãos de sangue".

 Pena que, infelizmente, naquela noite, Kelvin contraiu AIDS. Portanto, Hugo não morreria mais por ele, e sim por causa dele. Porque afinal, eram irmãos de sangue.

08/04/2012

O homem perfeito

 Glauco queria ser o homem perfeito. Perfeito em todos os sentidos. Intelectualmente, espiritualmente, cognitivamente, esteticamente, e até mesmo emocionalmente. E ele se dedicava muito pra tal.

 Todas as manhãs ele acordava ás oito horas em ponto, deliciava-se com um belo café da manhã equilibrado, caminhava no parque enquanto escutava músicas eruditas no fone de ouvido, subia a serra mais alta daquela área verde e lia. Pegava seu livro e se entretinha durante horas, recostado e seguro sob a silhueta de uma árvore qualquer. Aproximadamente as onze horas e meia seguia rumo á academia. Malhava e se exercitava incansavelmente. Não tinha pretensões de ficar muito musculoso, embora se preocupasse com a estética. A saúde era primária. Por fim, Glauco ia até seu terapeuta. Trabalhava sua capacidade de comunicação, e, principalmente, suas faculdades emocionais e psicológicas, afim de sentir bem consigo mesmo. Afinal, ele queria ser perfeito. Não fazia isso por ninguém. Fazia como evolução de si mesmo, e pra si mesmo. Seus desejos não seriam parados ou pausados por nada e ninguém.

O pessimismo alheio não iria atrapalhar seu maior objetivo. Sua meta primária não podia ser interrompida. E realmente Glauco estava cumprindo tudo isso muito satisfatoriamente bem. Exceto de que havia uma pequena barreira. Não apenas uma, milhares delas. Ele já se dedicara há muito tempo, mas não conseguira resultados extasiantes até então. Estava ocorrendo justamente o contrário. Ele estava retrocedendo, ficando cada vez menos imperfeito a cada dia.

 Encontrava-se numa encruzilhada, em um beco sem saída, um círculo incompleto. Seu psicológico, seu cognitivo, intelecto e espírito o impediam. Porque ele era inseguro, com baixa auto-estima e complexo de inferioridade. Não conseguia se tornar o homem perfeito sem conseguir passar por cima disso. E não conseguia passar por cima disso pelo seu atrapalhado funcionamento cognitivo que o impedia de falar, se expressar e relatar linearmente seus pensamentos para o terapeuta. E não conseguia se expressar porque não tinha controle sobre suas emoções e sentimentos. E não tinha controle sobre suas emoções e sentimentos porque era espiritualmente desequilibrado. E era espiritualmente desequilibrado porque era inseguro, com baixa auto-estima e complexo de inferioridade.

 E embora ele tenha procurado suporte profissional - e embora também fosse psicologicamente perturbado - era orgulhoso e pessimista demais para mudar. Embora, novamente, se dedicasse para se tornar um homem perfeito. Mas não iria conseguir. E nunca conseguiria, e nunca conseguiu. Tudo porque Glauco era um perfeito bosta.