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03/11/2020

A letargia

Poucas coisas me deixam tão inquieto quanto a capacidade destrutiva do meio ambiente causada pelo homem. Lá fora tem um movimento ambientalista chamado "Extinction Rebellion", ou "Rebelião da Extinção", que direto organiza protestos contra o fracasso mundial em conter as mudanças climáticas e adotar políticas mais ecológicas.

Aqui no Brasil, apesar da destruição intencional de seus biomas, esse movimento não tem qualquer expressividade. Apesar dele existir aqui, não há sequer uma faísca de maior adesão população contra isso.

Não que eu também não entenda. O povo vai ir pras ruas protestar contra incêndios numa floresta distante pra que? Pra correr risco de pegar COVID-19 enquanto mal consegue comprar arroz e pagar a conta de luz? Não a toa o Extinction Rebellion também tem mais popularidade em países mais ricos. Recentemente o tal do "New Green Deal", movimento que pressiona os EUA a adotar políticas mais sustentáveis, ganhou força entre ativistas climáticos e progressistas. O que estamos fazendo no Brasil além de nos preocupar com traições entre casais famosos e ignorar assassinatos de lideranças ambientalistas e indígenas? O povo prefere, e precisa, não sem razão, se preocupar com tópicos mais primários de sobrevivência, como poder ter dinheiro pra comer. Mas talvez também estejamos apáticos e desanimados demais com tudo, ou talvez o brasileiro nunca tenha tido uma construção cidadã e política forte o suficiente para se manifestar em massa contra esse pandemônio ecológico. Afinal, não foi através de manifestações populares que se derrubou a monarquia. Talvez a pandemia e esse governo obscurantista, que propositalmente permite milhares de mortes diárias por um vírus e a devastação de seus ecossistemas nos tenha sugado de qualquer força pra pensar em fazer alguma coisa. Ou talvez a situação se tornou tão lamentável que até mesmo se importar com o meio ambiente se tornou secundário. Ou simplesmente preferimos não enxergar o buraco em que estamos.

O triste é saber que mesmo ações coletivas não corrigem o poder destrutivo em prol do capital com a anuência de um governo irresponsável. No final, só queremos ver um filme no fim do dia pra dormir e se sentir bem, afinal todos merecemos um pouco de lazer. E nessa sensação de derrota e letargia, seguimos testemunhando um vírus que ainda vitima milhares, um Estado que é desmontado e corroído com o apoio do grande empresariado, pessoas voltando a passar fome e a um Brasil acabando em fogo.