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29/12/2017

Como o universo surgiu

 No total foram seis minutos de um enaltecido e eloquente palavrório do presidente da Comissão Cosmológica Interplanetária. A confiança estava alta. Foi de grande surpresa e jubilo, ainda assim, a aprovação do orçamento para o Mega Colisor Supersimétrico Planetário.

 Um projeto ambicioso, para dizer pouco. Passarem-se 59 anos até sua finalização e, estima-se, 87 mil pessoas envolvidas. Todos os assentamentos extra-solares participaram de sua construção, liderados pela União Federal Solar. No fim, o Mega Colisor era um anel com uma largura de milhares de metros, se estendendo pela superfície como um muro estratosférico ao redor dos quase 3 mil quilômetros de circunferência do planeta anão Ceres. Tinha uma capacidade superior a 1 trilhão de vezes a do LHC, e sua estrutura seria alimentada via conversão da energia geotérmica do planeta e também através da captura solar por usinas terrestres.

 Dezenas de séculos passaram-se de pesquisas, investigação científica e desenvolvimento tecnológico por uma espécie inquisitiva, curiosa e aventureira, que agora dava um novo passo rumo a resposta de uma importante questão primordial: como o universo surgiu? A colossal arma de investigação cosmológica fora testada de incontáveis maneiras até que o sinal verde acendeu para seu principal objetivo: emular a criação do cosmos e responder à pergunta primordial.

 Ceres estava em seu periélio e a energia solar capturada era mais intensa. O momento era perfeito. A simulação começara agitando flutuações quânticas na escala de Planck em seus anéis centrais. Os testes corriam bem, e fenômenos da gravidade quântica em loop foram observados no tecido cósmico, deformando as propriedades do campo eletromagnético no Mega Colisor e unificando as forças fundamentais da natureza. Partículas elementares e gluóns em forma de plasma iam preenchendo o supervácuo dos anéis supercondutores, criando uma singularidade espaço-temporal no reator ativo do Mega Colisor, corroborando modelos propostos pela teoria-M.

 Imensas quantidades de energia e calor resultantes desse processo incitavam dúvidas sobre a real capacidade de simular com eficiência a criação do universo. A emulação, contudo, ocorria com sucesso. Subpartículas desconhecidas eram detectadas pelos monitores enquanto bárions e léptons se chocavam em eventos cataclísmicos e densos ao redor do quilométrico colisor supersimétrico central, e partículas de interação fraca responsáveis pela energia escura criam um buraco negro prototípico primordial que começa a se expandir, dando início aos fenômenos da relatividade geral. Hadrons e quarks emergem e as forças da natureza se divergem, agindo sobre o campo bariônico nas fábricas do Mega Colisor, e o plasma de quarks e gluóns interage com bósons de Higgs e geram prôtons e nêutrons, iniciando a nucleossíntese primordial e competindo com a antimatéria, que se aniquilam mutualmente enquanto toda a energia escura e o buraco negro prototípico vorazmente sugam a força vital e a matéria do Mega Colisor, de Ceres e do próprio universo como um monstro hiperespacial faminto, catapultando uma súbita inflação cósmica e gerando um novo tecido espaço-temporal de um universo totalmente novo dentro de outro universo.

 Agora esse invasor extra sideral se alimenta das entranhas, como um parasita, do que um dia foi um cosmos intocável, avançando furtivamente e sugando toda a sua energia para alimentar sua própria. Ceres é destruído e em milissegundos todo o sistema solar é aniquilado, juntos com o Mega Colisor e a União Federal Solar, não restando sequer núcleos atômicos para sobreviver ao caos reinante desse tumor horripilante, engolindo o universo por dentro lentamente como um cadáver pútrido. Constelações e aglomerados inteiros de estrelas e nuvens moleculares são desmembrados, buracos negros e quasares, galáxias e superclusters galáticos caem juntos nesssa fenda abismal da inexistência sem qualquer resistência. Um universo inteiro em agonia é estripado e rasgado em seu cerne como um câncer, um corpo em decadência sendo digerido por dentro para a sua própria morte, não sobrando ninguém, em lugar nenhum, para saber o que de fato aconteceu e como o universo foi criado. Talvez, nesse novo universo, depois de 13 bilhões de anos uma espécie surja novamente para se perguntar, afinal, como o universo surgiu.