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20/05/2016

Um conto intergalático

 Contemplo o céu âmbar no cume desse vale. O precipício apresenta-se diante de dois passos a minha frente, em sua descida de mais de dois mil metros. Eu visito essa galáxia longínqua, pousando na superfície rochosa de um de seus muitos bilhões de planetas.

 Um sentimento perscruta pela atmosfera rasa desse corpo celeste inóspito, com seus ventos intermináveis de uma fina cor sangrenta. Quão longe foi a distância que percorremos, em nossa audaciosa busca aventureira pelo desconhecido? Observávamos esse planeta, de longe. Ambiciosas foram as tentativas até aqui, e eis que me encontro sob essas formações geológicas de perto.

 Alvo de muito estudo científico, devido a indícios de presença biológica e - muito certamente - vida inteligente, piso na areia nunca antes sondada desse imenso globo errante. Quieto e intimidador, ouço seu uivo solitário nunca antes escutado por ninguém da nossa espécie.

 As finas e geladas nuvens assobiam e serpenteiam por sobre o solo, coloridas de tons que passeiam entre o laranja e o sépia. Sua estrela hospedeira me recebe com sua débil iluminação avermelhada, e mortalmente me amedronto. Contemplo o firmamento nublado por sobre o horizonte, com suas diferentes estrelas em diferentes posições. Elas me avisam da minha posição no cosmos. Não sou capaz de descrever ou compreender o que sinto. Invisível, impotente, aterrorizado, minúsculo. O negrume do enorme vácuo celestial me envolve com seu braço espiral galático e encaro a solidão. Um súbito pânico me petrifica, e cria-me o desejo de voltar de imediato. Este mesmo pavor me faz querer continuar investigando.

 Eu avanço, reflexivo, por sobre as regiões pedregulhosas desse vale, e suas montanhas me acenam ao longe na linha do horizonte. Paisagens desérticas se esticam para além da visão periférica e ruínas são encobertas por poeira, relatando um cenário apocalíptico. Sinto a necessidade de mostrar e relatar o que vejo, todavia vejo-me sozinho, andando por planícies despovoadas. Tudo parece apático, desocupado, abandonado. Nunca o sentimento de solidão foi-me tão intenso. Eu posso ouvir a minha circulação sanguínea, porém nenhum ruído de algum animal exótico distante nesse inerte panorama. Penso nas inimagináveis cenas do que pode ter acontecido no passado desse planeta.

 Subitamente, tudo parece... semelhante, como a face de um velho rosto amigo. Vejo traços no solo arenoso, ruínas e escombros de restos metálicos oxidados, materiais excêntricos que se assemelham à plásticos. Com espantosa admiração, olho os indícios do que poderia ter sido um dia atividades de alguma forma de vida inteligente. Eu vejo esqueletos, destroços de edificações ao longe, encobertos pela desertificação desse árido planeta morto, e então, em pavorosa assimilação concluí que, pelo o que observei, não havia mais nenhum deles aqui. Meu coração congela e em estado de frenesi fito sinais de antigas épocas, em um diferente planeta, da devastação infringida a uma espécie de vida tecnológica. Me é indecifrável conjecturar sobre como eles eram. Muito menos me é imaginável como esse planeta desértico e aparentemente hostil foi capaz de abrigar um dia seres vivos, e como trilhou seu caminho para o declínio até a total aniquilação da vida. Como eram esses seres vivos? Ainda em choque, sou incapaz de começar a imaginar.

 Conseguimos descobrir algumas coisa sobre eles, onde mais se concentravam demograficamente ou que tipo de elementos químicos mais produziam. Nunca pudemos descobrir, no entanto, como eram anatomicamente. Nenhuma espécie senciente e inteligente me apareceu à vista. Foram todos condenados ao extermínio eterno. Por explosões solares, meteoro, guerra nuclear?

 Posso somente supor. Em um exoplaneta obscuro, certo por nossa comunidade científica de que poderia conter vida inteligente, e até mesmo civilizações desenvolvidas, encontro-me apenas dominado por ambientes infernais, o que faz-me entrar em transe pelo assombro.  Por um instante sinto-me em meu próprio planeta, encarando o prefácio de andar por colinas inabitadas sob a extinção eterna de minha própria espécie. A distância imensurável entre este enigmático planeta e o meu parece inexistente e, de um instante para o outro, esse sentimento some. Sinto-me perdido novamente nessa praia intergalática.

 Observo os deteriorados vestígios materiais deixados por essa espécie falida, e domina-me um sentimento horroroso de melancolia. Durante anos observamos esse mundo longínquo de nosso planeta, avistando um débil e pálido reflexo azul, certos de que aqui poderíamos encontrar vida. Estávamos certos. Sinto-me deprimido, como alguém que chegou na cena de um crime sem ter conseguido impedir o assassinato. Estou diante de uma misteriosa cena de devastação que vitimizou a total existência da vida nesse planeta. Obrigo-me a reportar com pesar ao meu mundo que chegamos, portanto, tarde demais para contatar os habitantes deste planeta que, como soubemos, um dia o chamaram de "Terra".